Pode-se AFIRMAR que o autor do texto trata o assunto:
Corpos Desenhados
A conotação com o mal persiste em imagens da televisão. É clichê. Close nas tatuagens do facinoroso personagem cigano, da novela "Senhora do destino". Close nas tatuagens de escorpião nos braços dos assassinos da freira Dorothy Stang, no Pará. Close nos braços dos Pitboys toda vez que eles aprontam alguma. Como quem diz: é tatuado, gente boa não pode ser.
Mas a coisa virou moda adolescente e é preciso encará-la.
Um dicionário me informa que a palavra "tattoo", do inglês moderno, veio do Taiti, da palavra "tatu", que significa marca, introduzida pelo explorador britânico James Cook, o célebre Capitão Cook, em 1769. A precisão da data me espanta. Foi também então que a técnica taitiana de gravar figuras na pele se disseminou pelos portos da Europa. Depois pelo mundo.
Vemos centenas de lojas de tattoo no centro da cidade e nos bairros. As praias brasileiras, sejam populares ou da burguesia, oferecem preço e facilidade. Em Búzios, as agulhadas decorativas são aplicadas em uma Kombi-Estúdio na descolada rua das Pedras. Surfistas sem tatuagem não estão com nada. Pitboys desafiam olhares mortais. Garotas desenham pequeninas flores, a Fada Sininho, na virilha, no cóccix, na nuca. É tempo de corpos desenhados.
As linguagens corporais dos adolescentes nem sempre são aceitas facilmente. Quem não ouviu falar do preconceito que vitimou os "cabeludos", a minissaia e a própria calça jeans? Hoje, nas áreas de trabalho do "establishment", os tatuados têm problemas. Rapazes que à noite usam camisetas com corte adequado para exibir suas tatuagens, escondem-nas durante o dia sob camisas de mangas compridas.
Se é complicado, então por quê? Tatuagem é um recado, uma fala. Os chineses antigos achavam que era uma forma de se comunicar com as forças celestes. Quando um marinheiro tatuava no braço a frase "AMOR SÓ DE MÃE" queria dizer: não confio nas mulheres. Em culturas primitivas era um signo tribal – sentido que ecoa hoje em tribos urbanas. Desenhos na pele com figuras de animais, como o touro, o tigre e o escorpião, eram feitos para a pessoa apropriar-se das virtudes do animal. Quanto dessa mística se mantém?
Há meninas que tatuam o nome do namorado. E se o amor acabar? Ah, dirão, não serão essas as piores marcas do amor finito. Certa vez uma conhecida me mostrou na coxa a marca "Paulinho". Marca de posse, como em escravo ou gado. Tatuar o nome do amor é mais antigo do que 2.500 anos; está lá, na fala do esposo, no "Cântico dos cânticos": "Grava-me como selo em teu coração, como selo em teu braço". É prova de pertença ainda em uso.
Tatua-se alguém para chamar a atenção? Pode ser, o significado do apelo seria: estou aqui. Para se afirmar? Talvez, significando: sou como sou. Se enfeitar? Provável: gosto de um toque mas exótico. Seduzir? Desafiar?
Chega de enrolação. Estou pensando tudo isso porque minha filha se tatuou.
Ivan Ângelo – Revista Veja