O poema explora a repetição (de palavras, estruturas, versos...
Atenção: A questão refere-se ao texto abaixo, atribuído a um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos.
DATILOGRAFIA
Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
Outrora.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato
[de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra...
Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de
[escrever.
Comentários
Veja os comentários dos nossos alunos
I - Produz certa redundância, desnecessária tanto do ponto de vista do conteúdo (as informações são as mesmas), quanto do ponto de vista da expressão (as formas de dizer não se alteram e nem alteram sua relação com outras partes do texto).
R: Alternativa incorreta. É redundante e não acrescenta ao conteúdo mas acrescenta à expressão. Denota a monotonia e repetição da vida no escritório em comparação com os sonhos e potenciais da infância que são ricos e dinâmicos, representados pelos versos mais livres do texto.
II - Tem um papel central na articulação do sentido do poema, criando, ela mesma, um acompanhamento banalmente sinistro para as reflexões do autor.
R: Alternativa CORRETA. O sentido do poema se completa com essa repetição, pois toda vez que o autor está pensando quão bons eram os sonhos de infância, esses versos se repetem, como estivesse trazendo o eu lírico de volta à realidade do ambiente de trabalho.
III - Tem um papel importante no poema, por favorecer as rimas exploradas pelo poeta.
R: Alternativa incorreta. O poema não tem rimas favorecidas por essa repetição.
IV - É recurso frágil, pois, ainda que remeta à monotonia da vida prática e útil, fragmenta o texto, criando obstáculos para uma apreensão mais global do sentido.
R: Alternativa incorreta. Essas não são justificativas para concluir que o recurso é frágil.
V - Traz leveza ao texto, por introduzir, nesse contexto de uso da modalidade escrita, uma característica comum na fala de crianças e jovens: a desorganização das ideias.
R: Alternativa incorreta. Pelo contrário, a repetição é a parte mais organizada do poema. As ideias mais livres estão nas partes que não repetem.
Obs: Essa forma de resolver parte da minha opinião e não do gabarito oficial. Está sujeita a equívocos e todos são livres para corrigir
Que texto lindo!!
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