Da leitura do primeiro parágrafo entendemos que a autor...
Quando a gente pensa que já viu tudo, não viu. Faz algum tempo, dentro do horroroso politicamente correto que me parece tão incorreto, resolveram castrar, limpar, arrumar livros de Monteiro Lobato, acusando-o de preconceito racial, pois criou, entre outras, a deliciosa personagem da cozinheira Tia Nastácia, que, junto com Emília e outros do Sítio do Picapau Amarelo, encheu de alegria minha infância.
Se formos atrás disso, boa parte da literatura mundial deve ser deletada ou "arrumada". Primeiro, vamos deletar a palavra "negro" quando se refere à raça e pessoas, embora tenhamos uma banda Raça Negra, grupos de teatro Negro e incontáveis oficinas, açougues, borracharias "do Negrão", como "do Alemão" "do Portuga" ou "do Turco". Vamos deletar as palavras. Quem sabe, vamos ficar mudos, porque ao mal- humorado essencial, e de alma pequena, qualquer uma pode ser motivo de escândalo. Depende da disposição com que acordou, ou do lado de onde sopram os ventos do seu próprio preconceito.
Embora meus antepassados tivessem vindo ao Brasil em 1825, portanto sendo eu de muitas gerações de brasileiros tão brasileiros quanto os de todas as demais origens, na escola havia também a turminha que nos achacava com refrãos como "Alemão batata come queijo com barata". Nem por isso nos odiamos, nos desprezamos. Eram coisas infantis, sem consistência. O que vemos hoje quer mudar a cara do país, ou da cultura do pais, e não tem nada de inocente.
Agora, de novo para meu incorrigível assombro, em um lugar deste vasto, belo, contraditório país que a gente tanto ama, desejam sustar a circulação do Dicionário Houaiss, porque no verbete "cigano" consta também o uso pejorativo - que, diga-se de passagem, não foi inventado por Houaiss, mas era ou é uso de alguns falantes brasileiros, que o autor meramente, como de sua obrigação, registrou. Ora, para tentar um empreendimento desse vulto, como suspender um dicionário de tal peso e envergadura, seria preciso um profundo e preciso conhecimento de lingüística, de lexicografia, uma formação sólida sobre o que são dicionários e como são feitos.
O dicionarista não inventa, não acusa nem elogia, deve ser imparcial - porque é apenas alguém que registra os fatos da língua, normalmente da língua-padrão, embora haja dicionários de dialetos, de gírias, de termos técnicos etc. Então, se no verbete "cigano" Houaiss colocou também os modos pejorativos como a palavra é ou foi empregada, criticá-lo por isso é uma tolice sem tamanho, que, se não cuidarmos, atingirá outros termos em outros dicionários, com esse olhar rancoroso. Vamos nos informar, antes de falar. Vamos estudar, antes de criticar. Vamos ver em que terreno estamos pisando, antes de atacar obras literárias ou científicas com o azedume de nossos preconceitos e da nossa pequenez ou implicâncias infundadas. Há coisas muito mais importantes a fazer neste país, como estimular o cuidado com a educação, melhorar o atendimento à saúde, promover e preservar a dignidade de todos nós.
Ou, numa mistura maligna de arrogância e ignorância - talvez simplesmente porque não temos nada melhor a fazer -, vamos deletar as palavras que nos incomodam, os costumes que nos irritam, as pessoas que nos atrapalham e, quem sabe, iniciar uma campanha de queima de livros.
Compilado de artigo de Lya Luft, Revista Veja, edição 2260, 14 de março de 2012.
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Para resolver esta questão de interpretação de texto, precisamos entender o que a autora está comunicando no primeiro parágrafo do texto. O contexto é a crítica ao movimento de censurar ou alterar obras literárias sob o pretexto do politicamente correto.
Vamos analisar cada alternativa:
Alternativa A: "Avalia personagens politicamente incorretas, como Tia Nastácia e Emília, indícios claros do caráter racista de Monteiro Lobato."
Esta alternativa está incorreta. A autora não afirma que Monteiro Lobato tem um caráter racista. Pelo contrário, ela se posiciona contra a ideia de queimar ou censurar suas obras por serem consideradas politicamente incorretas.
Alternativa B: "A despeito de considerar o 'Sítio do Picapau Amarelo' uma obra preconceituosa, reconhece que o livro encheu de alegria a sua infância."
Esta alternativa também está incorreta. A autora não menciona que considera a obra preconceituosa. Ela destaca que o politicamente correto pode ser exagerado ao ponto de querer alterar essas obras.
Alternativa C: "Entende que o argumento do politicamente correto pode trazer consigo o risco da mutilação de obras literárias."
Esta é a alternativa correta. A autora expressa preocupação de que o movimento do politicamente correto, se levado ao extremo, pode resultar na censura ou mutilação de obras literárias, incluindo as de Monteiro Lobato.
Alternativa D: "É justificável alterar livros de renomados autores, desde que tal ato seja justificado pelo nobre propósito de erradicar o racismo da sociedade."
Esta alternativa está incorreta. A autora não defende que é justificável alterar as obras para erradicar o racismo. Pelo contrário, ela argumenta que tais ações são exageradas e que há questões mais importantes a serem tratadas.
Para responder corretamente questões de interpretação, é crucial identificar o posicionamento do autor e os argumentos centrais do texto. Preste atenção aos marcadores discursivos e ao tom do autor.
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Quando a gente pensa que já viu tudo, não viu. Faz algum tempo, dentro do horroroso politicamente correto que me parece tão incorreto, resolveram castrar, limpar, arrumar livros de Monteiro Lobato (sentido de mutilação), acusando-o de preconceito racial, pois criou, entre outras, a deliciosa personagem da cozinheira Tia Nastácia, que, junto com Emília e outros do Sítio do Picapau Amarelo, encheu de alegria minha infância.
Logo a alternativa correta é a C.
Alternativa C) entende que o argumento do politicamente correto pode trazer consigo o risco da mutilação de obras literárias.
(...) dentro do horroroso politicamente correto que me parece tão incorreto, resolveram castrar, limpar, arrumar livros de Monteiro Lobato (...)
A letra B está errada, pois a autora não considera uma obra preconceituosa pelo contrário enfatiza o quanto a fez feliz na infância.
Adorava os livros da Lya quando criança. É difícil crescer e ver quem ela é, putz.
ótima abordagem
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