Os amores de Alminha   Descobriram que Maria Alminha há mais...

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Ano: 2015 Banca: FUNCAB Órgão: Prefeitura de São Mateus - ES
Q1213230 Português
Os amores de Alminha     Descobriram que Maria Alminha há mais de meses que não ia às aulas.Amoça faltava por regime e sistema, enviuvando o banco da escola. A diretora mandou chamar a mãe e lhe comunicou da filha, vítima de prolongada ausência. A mãe, face à notícia, não tinha buraco onde se amiudar. [...] 
Tinha sido assim a vida inteira: o marido sentia vergonha de ter gerado apenas um descendente. Ainda por cima uma filha. A menina se tornara incumbência de sua mãe. 
Noite e dia, ela sozinha se ocupava. Ganido de cachorro, gemido de filha? Tudo sendo igual, sem motivo para perturbação do pai. Só ela se levantava, atravessando a noite com cadência de estrela. Pelos escuros corredores, seus passos se cuidavam para não despertar nem marido nem a filha já readormecida. Agora, regressando da escola, a mãe parecia ainda noturna. [...] 
Chegada à casa, segredou ao pai. Os dois ruminaram o pânico: anteviam Alminha metida em namoriscos. Mas que namoro, se nem rapaz se lhe via? Ou seria motivo pior? 
Nem ousaram mencionar a palavra. Mas droga era o receio mais escondido. Decidiram nada dizer, adiar conversa. Urgia apanhar Alminha em flagrante. O pai logo invocou parecenças hereditárias com a mãe. Aquilo era doença de mulherido. Antes tivessem tido rapazes. [...] – Essa miúda não sabe a quantas desanda. E ordenou que fossem vasculhados a pasta e os manuais escolares. [...] 
A mãe abriu, espreitou as linhas e leu,em voz de se ouvir: – “Hoje lhe vi. Gosto de espreitar seu corpo, assim branco, no meio de tanto sujo deste mundo.” Um branco? A miúda andava metida com um branco.O pai, então, se disparatou. Como é? Não lhe chega a raça? Quer andar por aí, usufrutífera, em trânsitos de pele? – Não quero cá dissos, rematou. E pegou ele no caderno com fúria de tudo rasgar. Mas logo devolveu o objeto do crime.– Leia você que meus olhos já estão todos a tremer, meu coração está num feixe nervoso. Antes de ler, a mãe olhou demoradamente o caderno. Havia uma disfarçada ternura em seus olhos? Passou a mão como se afagasse o papel. 
Aquilo não era um diário, que ela não tinha fôlego para tanta rotina.[...] 
Eram magras palavras, só engordando nas entrelinhas. Na página, já roída pelos dedos, a senhora leu, a lágrima resvalando na voz: – “Hoje vi-o a nadar e me apeteceu atirar-me para a água,me banhar nua com ele”. Nua? Viu, mulher, como isso vem da sua parte? Porque você a mim nunca me viu nu, nem muito menos a banhar-me em companhias. Isso é mania de mulherido. –Adiante, mais adiante! – ordenou. Queria que ela continuasse lendo, mas não queria ouvir mais. Abanava a cabeça, pesaroso. 
Nua? Na água? A moça andava por aí, rapazeandose com este e aquele? – Nunca pensei ser tristemunha de tanta vergonha. Antes de lhe descer mais pensamento, o pai já tomara decisão: expulsá-la de casa. E que nem conversa. Não valeu o pranto, não valeu nada nem ninguém. – E sai já hoje, que amanhã pode nem haver dia. A moça se foi, quase se extinguindo da história. Não fosse a mãe, inconsolada, se ter votado a seguir o encalço de Alminha.
Mas nem rasto nem cheiro. Onde refazia seu existir? Ter-se-ia internada na casa do tal amante, o segredado branco? Até que, certa vez, a mãe descobre a moça, tênue, na bruma do jardim público. Se cortinando entre os arbustos, a senhora a seguiu. [...]
(COUTO, Mia.Lisboa: Caminho, 2001. p. 133-136. Na berma de nenhuma estrada e outros contos.)
No trecho “Tinha sido assim a vida inteira: o marido sentia vergonha de ter gerado apenas um descendente. Ainda por cima uma filha.”, o elemento que antecipa algo que será enunciado, assumindo, no contexto, valor catafórico é:
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