“Meio século depois, nós também temos sonhos”. Nessa frase, ...
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MEIO SÉCULO DEPOIS...
Cristovam Buarque, O Globo, 07/09/2013
A quase totalidade dos discursos de políticos é irrelevante.
São logo esquecidos. Mas, nesta semana, comemora-se em todo
o mundo os 50 anos do discurso do dr. Martin Luther King em que
ele disse que tinha sonhos: de que seus quatro filhos não sofreriam
preconceitos por causa da cor da pele; e de que os filhos dos ex-escravos
e os filhos dos ex-donos de escravos seriam capazes de
sentar juntos na mesma mesa, como irmãos.
Meio século depois, nós também temos sonhos.
Sonhamos que um dia nenhum dos filhos do Brasil será privado
de uma educação de qualidade que lhes permita entender a lógica
do mundo, deslumbrar-se com suas belezas, indignar-se com suas
injustiças, falar e escrever seus idiomas, ter uma profissão que lhes
permita usufruir e melhorar o mundo onde vivem.
Para isso, sonhamos fazer com que a mais pobre criança tenha,
desde sua primeira infância, uma escola com a qualidade das melhores
do mundo, que um dia os filhos dos trabalhadores estudarão nas
escolas dos filhos de seus patrões, os filhos das favelas nas escolas
dos filhos dos condomínios e, em consequência, o Brasil terá pontes
em lugar de muros entre suas classes e seus espaços urbanos.
Sonhamos que não está distante o dia em que todos os brasileiros
acreditarão que isso é preciso e é possível. Deixarão de
considerar o sonho como um delírio de utopista ou demagogia
de político. Olharão ao redor e verão que muitos outros países já
fizeram esta revolução, que chegará tardia ao Brasil, como nos
chegou tardiamente a libertação dos escravos. Lembrarão que até
1863, na terra do dr. King, e, por décadas mais no Brasil, a ideia
de que os negros um dia seriam livres do cativeiro era vista como
estupidez. E hoje o presidente da República deles é negro.
Sonhamos também que, acreditando nos seus sonhos, o Brasil
se levantará para realizá-los. Porque o sonho não se realiza quando
ele é solitário, nem tampouco quando os sonhadores continuam
deitados em berço esplêndido. Só quando é de todos e todos se
levantam é que ele começa a ser realidade.
“Meio século depois, nós também temos sonhos”. Nessa frase,
o autor do texto emprega o pronome “nós”, o que se justifica porque: