Com finalidade humorística, o cronista recorre à figura de l...

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Q2235394 Português
     Fui chegando aqui à Bahia, a caminho de Itaparica — onde deverei basicamente pescar, mentir na praça do Mercado e, de quando em vez, escrever uma carta patética a meu abnegado editor, solicitando mais fundos para a realização da minha obra — e fui logo perguntando pelos cachorros. Os cachorros daqui da casa de meu paí, como aliás todos os bichos que aparecem por aqui, são muito interessantes — a começar por Lílico, um animal vagamente fox terrier que namorava escandalosamente com Chiquita, a gata siamesa de meu pai. Uma vez, Lilico e Chiquita — como direi? — se engalfinharam amorosamente em plena sala, na frente de uma visita eclesiástica, um verdadeiro escândalo. Minha mãe e o monsenhor fingiram que não viram (um ato de heroísmo da parte deles, já que fingir que não estavam notando aquela fuzarca era a mesma coisa que tentar manter uma conversação junto de um trio elétrico), mas meu pai ficou entusiasmado. “Creio que teremos nesta casa uma ninhada de cagatos”, disse-me ele com orgulho. Não houve, infelizmente, frutos desse e de outros acalorados idílios vividos por Chiquita e Lilico, mas por aí vocês já veem como os bichos aqui de casa são interessantes.

     Agora temos dois cachorros, Duque e Wolfgang (embora este só atenda por Wolf ou Carrapicho). Duque é um fila da envergadura de um hipopótamo e só um pouquinho mais pesado, cujo principal talento é ser capaz de comer seis pães (seis dessas bisnagonas de mais de meio metro) em 15 segundos cravados, coisa que ele faz toda vez que deixam o pão dando sopa, e depois se julga no direito de ser festejado pela habilidade. Wolfgang é um rottweiler alemão, cuja disposição habitual se compara desfavoravelmente com a de um comandante das SS e que não se dá com ninguém. Meu pai explicou que ambos são ótimos indivíduos, “apenas temos de respeitar suas respectivas maneiras de ser”.

     — A maneira de ser de Duque — esclareceu ele — é abestalhada. A maneira de ser de Carrapicho, por assim dizer, é de inimigo de toda a Criação em geral. São posições.

     Duque e Wolfgang dividem as responsabilidades da guarda da casa. Duque cuida dos fundos, onde de vez em quando derruba um bujão de gás com um encontrão casual. Wolf cuida da frente, parte da casa onde absolutamente ninguém é bem recebido (a não ser os da casa mesmo, mas sem intimidades) depois que ele assume o posto — com rigorosa pontualidade e sempre parado no mesmo lugar, na evidente intenção de comer a primeira coisa que se mexa em sua frente. Fui visitá-los. Duque me cumprimentou com efusão, Wolf se levantou e rosnou, enfiando a cara pelas grades do canil. Com o ar confiante que estudei nos livros sobre treinamento de cães, aproximei-me para fazer amizade, levantei a mão para afagá-lo.

     — Use a esquerda — aconselhou meu pai. — Pelo menos assim você ainda vai poder bater à máquina com a direita.

     Preferi adiar a experiência, fui passar em revista os outros moradores da casa ali presentes. [...]

     Fui lá dentro inspecionar minha vara de pescar, imaginei-me na ilha de Itaparica entre garoupas, guaricemas, vermelhos, pampos e cabeçudos e mentindo estrondosamente sobre “aquele de oito quilos que escapou no último instante”. Suspirei. A vida do escritor é muito dura, mas, pelo menos, felizmente, encontrei todos aqui muito bem.


(Adaptado de: RIBEIRO, João Ubaldo. Arte e ciência de roubar galinha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998)
Com finalidade humorística, o cronista recorre à figura de linguagem denominada hipérbole no trecho:
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Comentários

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• Hipérbole: exagero intencional. Ex.:

"Morto de sono".

Hipérbole = Exagero deliberado.

Hipérbole da questão

Fila da envergadura de um hipopótamo e só um pouquinho mais pesado.

gabarito: C

as figuras de linguagem devem estar correndo no seu sangue para fazer as provas da FCC.

FIGURAS DE LINGUAGEM MAIS COBRADAS PELA FCC

  • ANTÍTESE: palavras com sentidos opostos (ex: ruim/bom, perto/longe)

  • PARADOXO: referente a duas ideias contraditórias em uma só frase ou pensamento. (ex: o silêncio é ensurdecedor)

  • EUFEMISMO: intenção de suavizar um fato ou atitude, busca tornar mais aceitável a conotação de determinada palavra. (ex: foi para o céu, bateu as botas, Deus chamara o farmacêutico, virou estrelinha)

  • HIPÉRBOLE: exagero intencional. (ex: estou morrendo de fome, morto de sono, gastou rios de dinheiro)



  • PROSOPOPEIA OU PERSONIFICAÇÃO: atribuição de características/hábitos/comportamentos humanos a objetos, animais ou coisas. (ex: o sol está tímido hoje)

  • CATACRESE: emprego de uma palavra no sentido figurado por não haver um termo próprio. (ex: dente de alho, a perna do óculos, pé da mesa)

  • ONOMATOPEIA: imitação de um som. (ex: ding-dong)

  • SINESTESIA: mistura de diferentes impressões sensoriais. (ex: o doce som da flauta)

  • METÁFORA X COMPARAÇÃO

ambas as figuras de linguagem tem por objetivo fazer uma COMPARAÇÃO. a ÚNICA diferença entre as duas é que na comparação existe uma palavra explícita que expressa claramente a comparação (como, parecia, tal qual, assim como) e na metáfora essa palavra está implícita.

  • exemplo de metáfora: a menina é uma flor.
  • exemplo de comparação: minha filha é como um anjo.

HIPERbole deixa tudo HIPER

Hipérbole= acresce

eufemismo= suaviza

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