Na frase “Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em ...

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Q2688046 Português

Instrução: As questões de números 01 a 10 referem-se ao texto abaixo.


Cuidar dos pais


01 A minha mãe é a minha filha. Preciso dizer-lhe que chega de bolo de chocolate, chega de

02 café ou de andar às pressas. Vai engordar, vai ficar elétrica, vai começar a doer-lhe a perna

03 esquerda. Cuido dos seus mimos. Gosto de lhe oferecer uma carteira nova e presto muita

04 atenção aos lenços bonitos que ela deita ao pescoço e lhe dão um ar floral, vivo, uma espécie

05 de elemento líquido que lhe refresca a idade. Escolho apenas cores claras, vivas. Zango-me

06 com as moças das lojas que discursam acerca do adequado para a idade. Recuso essas

07 convenções que enlutam os mais velhos.

08 A minha mãe, que é a minha filha, fica bem de branco, vermelho, gosto de vê-la de

09 amarelo-torrado, um azul de céu ou verde. Algumas lojas conhecem-me. Mostram-me as

10 novidades. Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em me ajudar. Aniversários ou

11 Natal, a Primavera ou só um fim de semana fora, servem para que me lembre de trazer-lhe um

12 presente. Pais e filhos são perfeitos para presentes. Eu daria todos os melhores presentes à

13 minha mãe.

14 Rabujo igual aos que amam. Quando amamos, temos urgência em proteger, por isso somos

15 mais do que sinaleiros, apontando, assobiando, mais do que árbitros, fiscalizando para que tudo

16 seja certo, seguro. E rabujamos porque as pessoas amadas erram, têm caprichos, gostam de si

17 com desconfiança, como creio que é normal gostarmos todos de nós mesmos. Aos pais e aos

18 filhos tendemos a amar incondicionalmente, mas com medo. Um amigo dizia que entendeu o

19 pânico depois de nascer o seu primeiro filho. Temia pelo azedo do leite, pelas correntes de ar,

20 pelo carreiro das formigas, temia muito que houvesse um órgão interno, discreto, que

21 desfuncionasse e fizesse o seu filho apagar.

22 Quem ama pensa em todos os perigos e desconta o tempo com martelo pesado. Os que

23 amam sem esta fatura não amam ainda. Passeiam nos afetos. É outra coisa.

24 Ficar para tio parece obrigar-nos a uma inversão destes papéis a dada altura. Quase ouço as

25 minhas irmãs dizerem: “Não casaste, agora tomas conta da mãe e mais destas coisas”. Se a luz

26 está paga, a água, refilar porque está tudo caro, há uma porta que fecha mal, estiveram uns

27 homens esquisitos à porta, a senhora da mercearia não deu o troco certo, o cão ladra mais do

28 que devia, era preciso irmos à aldeia ver assuntos e as pessoas. Quem não casa deixa de ter

29 irmãos, logo, só tem patrões. Viramos uma central de atendimento ao público. Porque nos

30 ligam para saber se está tudo bem, que é o mesmo que perguntar acerca da nossa competência

31 e responsabilizar-nos mais ainda. Como se o amor tivesse agentes. Cupidos que, ao invés de

32 flechas, usam telefones. E, depois, espantam-se: ah, eu pensei que isso já tinha passado,

33 pensei que estava arranjado, naquele dia achei que a doutora já anunciara a cura, eu até fiz

34 uma sopa, no mês passado, até fomos de carro ao Porto, jantamos em modo fino e tudo.

35 Quando passamos a ser pais das nossas mães, tornamo-nos exigentes e cansamo-nos por

36 tudo. Ao contrário de quem é pai de filhas, nós corremos absolutamente contra o tempo, o

37 corpo, os preconceitos, as cores adequadas para a idade. Somos centrais telefônicas aflitas.

38 Queremos sempre que chegue a Primavera, o Verão, que haja sol e aquecem os dias, para

39 descermos à marginal a ver as pessoas que também se arrastam por cães pequenos. Só

40 gostamos de quem tem cães pequenos. Odiamos bicharocos grotescos tratados como seres

41 delicados. O nosso Crisóstomo, que é lingrinhas, corre sempre perigo com cães musculados que

42 as pessoas insistem em garantir que não fazem mal a uma mosca. Deitam-nos as patas ao

43 peito e atiram-nos ao chão, as filhas que são mães podem cair e partir os ossos da bacia.

44 Porque temos bacias dentro do corpo. Somos todos estranhos. Passeamos estranhos com os

45 cães na marginal e o que nos aproveita mesmo é o sol. A minha mãe adora sol. Melhora de

46 tudo. Com os seus lenços como coisas líquidas e cristalinas ao pescoço, ela fica lindíssima! E

47 isso compensa. Recompensa. Comemos ao sol. Somos, sem grande segredo, seres que comem

48 ao sol. Por isso, entre as angústias, sorrimos.


Texto adaptado especialmente para esta prova. Disponível em https://www.contioutra.com/conheca-o-texto-que-o-escritor-valter-hugo-mae-escreveu-inspirado-nos-cuidados-que-dedica-a-sua-mae/. Acesso em 31 Jan 2019.

Na frase “Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em me ajudar”, retirada do texto, ocorre a próclise com o pronome oblíquo “me” por haver uma palavra capaz de atraí-lo para antes do verbo “ajudar”. Tal palavra corresponde a:

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