A oração sublinhada na frase “Ele monta na bicicleta, mas de...
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Ano: 2013
Banca:
IDECAN
Órgão:
Prefeitura de Vilhena - RO
Prova:
IDECAN - 2013 - Prefeitura de Vilhena - RO - Agente Administrativo |
Q2857540
Português
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Texto
Marcha noturna
Então Deus puniu a minha loucura e soberba; e quando desci ruelas escuras e desabei do castelo sobre aldeia,
meus sapatos faziam nas pedras irregulares um ruído alto. Sentia-me um cavalo cego. Perto era tudo escuro; mas
adivinhei o começo da praça pelo perfil indeciso dos telhados negros no céu noturno.
De repente a ladeira como que encorcovou sob meus pés, não era mais eu o cavalo, eu montava de pé um cavalo
de pedras, ele galopava rápido para baixo.
Por milagre não caí, rolei vertical até desembocar no largo vazio; mas então divisei uma pequena luz além. O
homem da hospedaria me olhou com o mesmo olhar de espanto e censura com que os outros me receberiam – como se
eu fosse um paraquedista civil lançado no bojo da noite para inquietar o sono daquela aldeia.
– Só tenho seis quartos e estão todos cheios; eu e outro homem vamos dormir na sala; aqui o senhor não pode
ficar de maneira alguma.
Disse-me que, dobrando à esquerda, além do cemitério, havia uma casa cercada de árvores; não era pensão mas às
vezes colhiam alguém. Fui lá, bati palmas tímidas, gritei, passei o portão, dei murros na porta, achei uma aldraba de
ferro, bati-a com força, ninguém lá dentro tugiu nem mugiu. Apenas o vento entre árvores gordas fez um sussurro
grosso, como se alguns velhos defuntos aldeões, atrás do muro do cemitério, estivessem resmungando contra mim.
Havia outra esperança, e marchei entre casas fechadas; mas, ao cabo da marcha, o que me recebeu foi a cara
sonolenta de um homem que me desanimou com monossílabos secos. Lugar nenhum; e só a muito custo, e já inquieto
porque eu não arredava da porta que ele queria fechar, me indicou outro pouso. Fui – e esse nem me abriu a porta,
apenas uma voz do buraco escuro de uma alta janela me mandou embora.
“Não há nesta aldeia de cristãos um homem honesto que me dê pouso por uma noite? Não há sequer uma mulher
desonesta?” Assim bradei, em vão. Então, como longe passasse um zumbido de aeroplano, me pus a considerar que o
aviador assassino que no fundo das madrugadas arrasa com uma bomba uma aldeia adormecida – faz, às vezes, uma
coisa simpática. Mas reina a paz em todas estas varsóvias escuras; amanhã pela manhã toda essa gente abrirá suas
casas e sairá para a rua com um ar cínico e distraído, como se fossem pessoas de bem.
Não há um carro, um cavalo nem canoa que me leve a parte alguma. Ando pelo campo; mas a noite se coroou de
estrelas. Então, como a noite é bela, e como de dentro de uma casinha longe vem um choro de criança, eu perdoo o
povo de França. Marcho entre macieiras silvestres; depois sinto que se movem volumes brancos e escuros, são bois e
vacas; ando com prazer nessa planura que parece se erguer lentamente, arfando suave, para o céu de estrelas. Passa
na estrada um homem de bicicleta. Para um pouco longe de mim, meio assustado, e pergunta se preciso de alguma
coisa. Digo-lhe que não achei onde dormir, estou marchando para outra aldeia. Não lhe peço nada, já não me importa
dormir, posso andar por essa estrada até o sol me bater na cara.
Ele monta na bicicleta, mas depois de alguns metros volta. Atrás daquele bosque que me aponta passa a estrada
de ferro, e ele trabalha na estaçãozinha humilde: dentro de duas horas tenho um trem.
Lá me recebe pouco depois, como um grã-senhor: no fundo do barracão das bagagens já me arrumou uma cama
de ferro; não tem café, mas traz um copo de vinho.
Já não quero mais dormir; na sala iluminada, onde o aparelho do telégrafo faz às vezes um ruído de inseto de
metal, vejo trabalhar esse pequeno funcionário calvo e triste – e bebo em silêncio à saúde de um homem que não teme
nem despreza outro homem.
(Rubem Braga. – 200 crônicas escolhidas. 31ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.)
A oração sublinhada na frase “Ele monta na bicicleta, mas depois de alguns metros volta.” (9º§) tem valor