No contexto, é empregada em sentido figurado a expressão des...
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Ano: 2022
Banca:
VUNESP
Órgão:
PC-RR
Prova:
VUNESP - 2022 - PC-RR - Auxiliar de Necrópsia de Polícia Civil |
Q2077066
Não definido
Texto associado
Entrevista que não houve
Em novembro de 1967, eu estava telefonando para Guimarães Rosa em nome da revista Manchete, onde trabalhava, pedindo uma entrevista. Naquela semana, Rosa finalmente tomaria posse de sua cadeira na Academia Brasileira
de Letras, para a qual fora eleito por unanimidade em 1963.
Ainda não a assumira porque, médico e cardíaco, temia não
sobreviver à cerimônia. Mas agora era a hora.
Nunca entendi por que Justino Martins, diretor da
Manchete, incumbiu-me da tarefa. A revista estava cheia de
repórteres experientes – dois deles os poetas Lêdo Ivo e
Homero Homem, certamente amigos de Rosa. Eu tinha, se tanto, seis meses de profissão e acabara de chegar à Revista. Mas foi assim. Justino convocou-me à sua mesa, deu-me
o número do telefone de Rosa e só me recomendou que chamasse o homem de embaixador – o que Rosa também era.
Naquele mesmo dia, telefonei. O próprio Rosa atendeu e,
muito amável, desculpou-se, alegando que estava escrevendo
seu discurso de posse e não podia parar para dar entrevistas,
mesmo que fosse para Manchete. Eu insisti, “Mas, embaixador…”. E ele, firme – neca. Mas, talvez tocado pela evidente juventude do repórter, sugeriu que eu telefonasse no dia
seguinte – quem sabe já teria terminado o discurso. Fiz isto,
mas, não, ele não havia terminado. Como consolação, disse
que, se eu fosse à cerimônia, me daria uma cópia do texto.
Rosa tomou posse na quinta-feira, 16. Ao fim do discurso
e sob a chuva de aplausos, saiu pelo salão apertando mãos,
como se levitasse a um metro do chão. Parecia encantado,
não via ninguém – só a mim cumprimentou duas vezes, sem
saber quem eu era. E o coração resistiu bem, não o traiu.
Deixou para traí-lo três dias depois, na noite de domingo,
19, no seu apartamento, em Copacabana. E eu me esquecera de pedir-lhe o discurso.
(Ruy Castro. A arte de querer bem – Crônicas.
Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018. Excerto adaptado)
No contexto, é empregada em sentido figurado a expressão destacada na frase: