Publicado originalmente em Coral, o soneto acima presta uma ...
Soneto à maneira de Camões
Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.
Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.
Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Soneto à maneira de Camões. In: COSTA E SILVA, Alberto da;
BUENO, Alexei. Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro:
Lacerda, 1999.
Publicado originalmente em Coral, o soneto acima presta uma homenagem a Camões, a cuja dicção Sophia de Mello Breyner Andresen manifesta declarada admiração. Para tanto, a escritora não só imita o estilo da lírica camoniana, lançando mão de recursos formais e retóricos nela verificáveis, mas também explora alguns dos temas e tensões que a singularizam.
Sobre esse último aspecto, considere as afirmações a seguir, elaboradas a partir das ponderações feitas por António José Saraiva e Óscar Lopes (2004).
I. A primeira estrofe representa a natureza contraditória do sentimento vivido pelo eu lírico, indicando uma situação de dúvida e instabilidade que foge ao controle da razão.
II. No segundo quarteto, resgata-se o pendor neoplatônico da lírica camoniana, uma vez que o sujeito poético se conforma com a impossibilidade de realização plena do desejo, abraçando o ideal de amor desinteressado.
III. Os tercetos apontam para a busca de uma síntese, mesmo que apenas entrevista, entre “um ansiado absoluto e suas possibilidades viventes” (SARAIVA; LOPES, 2004), dada a constatação da essencialidade do sentimento em sua própria natureza transitória.
Estão corretas as afirmativas