O excerto acima pertence ao primeiro capítulo de Húmus, obra...

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Q2006230 Literatura

13 de Novembro

Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...

Uma vila encardida — ruas desertas — pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva — o castelo — restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. A torre — a porta da Sé com os santos nos seus nichos — a praça com árvores raquíticas e um coreto de zinco. Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade. Nos corredores as aranhas tecem imutáveis teias de silêncio e tédio e uma cinza invisível, manias, regras, hábitos, vai lentamente soterrando tudo. Vi, não sei onde, num jardim abandonado — inverno e folhas secas — entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições. Puíra-as e a expressão não era grotesca mas dolorosa. Sentia-se um esforço enorme para se arrancarem à pedra. Na realidade isto é como Pompeia um vasto sepulcro: aqui se enterraram todos os nossos sonhos... Sob estas capas de vulgaridade há talvez sonho e dor que a ninharia e o hábito não deixam vir à superfície. Afigura-se-me que estes seres estão encerrados num invólucro de pedra: talvez queiram falar, talvez não possam falar.

Silêncio. Ponho o ouvido à escuta e ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.


BRANDÃO, Raul. Húmus. São Paulo: Carambaia, 2017.

O excerto acima pertence ao primeiro capítulo de Húmus, obra publicada em 1917 e considerada a produção mais relevante de Raul Brandão.


Sobre o texto e seu contexto de produção, abordados por Saraiva e Lopes (2004), considere as seguintes afirmações: 


I. A opção pelo diário, conforme evidencia a indicação da data na abertura do excerto, favorece a utilização de um tom confessional e a manifestação de um pendor memorialista, traços que permitem a vinculação dessa obra ao movimento saudosista, cuja inspiração decorre das composições de Teixeira de Pascoaes.

II. A natureza sensorial dos elementos utilizados para figurar a degradação e a banalidade do ambiente permite aproximar o procedimento à torturada estilística impressionista de Fialho de Almeida, a quem Raul Brandão reconhecerá como seu precursor.

III. Ao estabelecer uma relação de similaridade entre as estátuas disformes do jardim e os sepultados pelo desastre de Pompeia, para, em seguida, associar esse “invólucro de pedra” às “capas de vulgaridade” que aniquilam a possibilidade do sonho, o narrador antecipa a situação de abatimento existencial das personagens ligadas à vila.


Estão corretas as afirmativas

Alternativas

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Alternativa correta: C - II e III, apenas.

Vamos explorar cada afirmação para entender o motivo:

I. A opção pelo diário, conforme evidencia a indicação da data na abertura do excerto, favorece a utilização de um tom confessional e a manifestação de um pendor memorialista, traços que permitem a vinculação dessa obra ao movimento saudosista, cuja inspiração decorre das composições de Teixeira de Pascoaes.

Embora o excerto apresente um tom confessional, sua vinculação ao movimento saudosista é questionável. O movimento saudosista, associado a Teixeira de Pascoaes, tem características distintas que não se refletem claramente no texto de Raul Brandão, que é mais marcado por um tom de decadência e pessimismo existencial. Dessa forma, a afirmação I está incorreta.

II. A natureza sensorial dos elementos utilizados para figurar a degradação e a banalidade do ambiente permite aproximar o procedimento à torturada estilística impressionista de Fialho de Almeida, a quem Raul Brandão reconhecerá como seu precursor.

A afirmação II está correta. Raul Brandão utiliza uma linguagem rica em detalhes sensoriais para descrever o ambiente, evocando uma atmosfera de decadência que é característica do impressionismo literário. Brandão é conhecido por reconhecer a influência de Fialho de Almeida, cujo estilo também explorava essa riqueza sensorial e a representação da realidade de forma intensa.

III. Ao estabelecer uma relação de similaridade entre as estátuas disformes do jardim e os sepultados pelo desastre de Pompeia, para, em seguida, associar esse “invólucro de pedra” às “capas de vulgaridade” que aniquilam a possibilidade do sonho, o narrador antecipa a situação de abatimento existencial das personagens ligadas à vila.

A afirmação III também está correta. O excerto faz uma analogia entre as estátuas e as vítimas de Pompeia, simbolizando a estagnação e a morte dos sonhos. Essa comparação reflete o abatimento existencial característico das personagens na obra de Brandão, reforçando a visão de um ambiente sufocante e sem perspectivas.

Assim, apenas as afirmações II e III estão corretas, justificando a escolha da alternativa C.

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