Os traços dos gêneros estão em constante transformação; port...
13 de Novembro
Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...
Uma vila encardida — ruas desertas — pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva — o castelo — restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. A torre — a porta da Sé com os santos nos seus nichos — a praça com árvores raquíticas e um coreto de zinco. Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade. Nos corredores as aranhas tecem imutáveis teias de silêncio e tédio e uma cinza invisível, manias, regras, hábitos, vai lentamente soterrando tudo. Vi, não sei onde, num jardim abandonado — inverno e folhas secas — entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições. Puíra-as e a expressão não era grotesca mas dolorosa. Sentia-se um esforço enorme para se arrancarem à pedra. Na realidade isto é como Pompeia um vasto sepulcro: aqui se enterraram todos os nossos sonhos... Sob estas capas de vulgaridade há talvez sonho e dor que a ninharia e o hábito não deixam vir à superfície. Afigura-se-me que estes seres estão encerrados num invólucro de pedra: talvez queiram falar, talvez não possam falar.
Silêncio. Ponho o ouvido à escuta e ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.
BRANDÃO, Raul. Húmus. São Paulo: Carambaia, 2017.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 1993. p. 21.
Em Gêneros literários, Angélica Soares (1993) procura afastar-se de classificações fechadas − conforme explicita a passagem acima −, adotando, para isso, a proposta elaborada por Emil Staiger em Conceitos fundamentais da poética. Preterindo uma compreensão substantiva das categorias de gênero, que vincularia terminantemente as produções a um ou outro rótulo, Staiger volta-se para os traços estilísticos líricos, épicos ou dramáticos que podem estar presentes em um texto, os quais se manifestam, muitas vezes, de maneira combinada. Essa formulação torna-se bastante útil para a análise de obras como a de Raul Brandão, que não se apresenta nos moldes tradicionais da prosa de ficção.
Qual dos aspectos abaixo corresponde a um traço lírico presente no excerto?
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A alternativa correta é a B - Predomínio da coordenação.
Vamos entender por que essa é a resposta certa e analisar as outras alternativas. A questão aborda a identificação de traços líricos em um trecho literário, algo que exige um entendimento das características dos gêneros literários. No contexto da literatura, o gênero lírico é marcado pela expressão de emoções e sentimentos de maneira subjetiva e pessoal, frequentemente utilizando uma linguagem poética e figurativa.
Alternativa B - Predomínio da coordenação: O uso da coordenação nas frases pode ser um recurso estilístico que confere ritmo e fluidez ao texto, algo frequentemente encontrado na linguagem lírica. Nesse excerto de Raul Brandão, há uma utilização extensiva de frases coordenadas, que contribuem para criar uma sensação de continuidade e fluidez, características essas que podem ser associadas ao gênero lírico.
Alternativa A - Evolução progressiva: Esse termo sugere um desenvolvimento linear e lógico dos eventos ou ideias, algo mais associado ao gênero épico ou narrativo, onde há uma sequência temporal claramente delineada. No caso do texto em questão, não há uma evolução progressiva distintamente presente, o que não se alinha com um traço lírico típico.
Alternativa C - Inalterabilidade de ânimo: A inalterabilidade de ânimo indicaria falta de mudança emocional, o que geralmente não é uma característica do gênero lírico. O lírico é frequentemente dinâmico em termos emocionais, refletindo mudanças internas de sentimentos e pensamentos, o contrário do que a "inalterabilidade" sugere.
Alternativa D - Concentração no essencial: Embora a concentração no essencial possa ser uma característica do gênero lírico, no sentido de focar nas emoções e sentimentos centrais, ela não é específica o suficiente para identificar o trejeito lírico presente no excerto, como é o caso do predomínio da coordenação.
Portanto, a escolha de predomínio da coordenação é a mais adequada para descrever a maneira como o texto flui, refletindo uma característica lírica no excerto apresentado.
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