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Q1335563 Português

Texto para responder à questão.


Barbara


        Tinha um medo terrível do mundo lá fora. Meu quarto era o único lugar seguro do mundo - e ainda assim não punha minha mão no fogo quanto ao interior dos armários. Dormir na casa de um amigo, para mim, equivalia a conhecer a Coréia do Norte. Acordava no meio da noite aos prantos e ligava pros meus pais virem me buscar. Durante anos tive pesadelos por causa da capa de um VHS de terror - sim, só vi a capa. Me afastei de um amigo por causa de um adesivo que ele tinha no caderno -um a caveira sangrando. Não podia ver esse amigo que o adesivo me vinha à mente e eu começava a tremer e chorar. Sim, eu tinha problemas sérios. E não vou dizer quantos anos eu tinha. Só vou dizer que era uma idade em que tudo isso já era bastante constrangedor.

        Minha irmã Barbara tinha três anos de idade quando chegou em casa da escola e começou a fazer as malas. "Aonde você pensa que vai?" - minha mãe perguntou. "Vou passar o fim de semana com o Yannick na praça seca". Minha mãe, que nunca tinha ouvido falar no Yannick ou na praça seca, achou que a filha estivesse delirando até que, poucas horas depois, o próprio Yannick, um rapaz mais velho, de quatro anos de idade, toca a campainha, acompanhado dos pais: "Vim buscar a Barbara, a gente combinou de ir à Praça Seca". Lembro de observar a picape indo embora com minha irmã na caçamba como quem se despede para sempre. "O mundo lá fora vai te trucidar!" eu dizia com os olhos, "Ainda dá tempo de desistir!", mas ela nem sequer olhava pra trás. Apostei com a minha mãe: "Não dou meia hora pra ela ligar chorando". Barbara não ligou em meia hora, nem em 24, nem em 48. Só reapareceu no domingo, com a mochila cheia de goiabas que ela mesma tinha catado. Alguns arranhões, nada mais. Se hoje não tenho muito medo de sair de casa - só tenho um pouco - é porque vi a Barbara sobrevivendo.

         Aos 17 anos, Barbara foi morar sozinha em outro continente. Achei que ela fosse ligar chorando na primeira noite. Não ligou. Aos 28, já se formou, escreveu peça, foi à China, fala cinco línguas e acorda às sete pra correr na praia com o namorado.

        Nesse sábado, os dois vão se casar. Isso, casar. Tentei explicar que casar hoje em dia é tão obsoleto quanto abrir uma vídeo locadora. "Barbara, você sabe o que te espera? Você sabia que todo casamento acaba em divórcio ou em morte? Ainda dá tempo de desistir." Na caçamba da picape, ela não olha pra trás. Minha irmã mais nova me ensina diariamente a não ter medo do mundo.

DUVIVIER, Gregório. Barbara. Folha de S. Paulo, Folhapress, 27 jun. 2016.Disponível em http://www1.folha.uol.com.br./colunas/ gregorioduvivier/2016/06/1785988-barbara.shtml 

Do ponto de vista sociocomunicativo, é relevante considerar a relação entre a seleção e posicionamento dos pronomes átonos e suas particularidades de uso. Nessa perspectiva, pode-se afirmar corretamente que há inadequação de colocação pronominal, considerando a exigência do norma-padrão, em:
Alternativas

Comentários

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Gab: D

"Me afastei de um amigo por causa de um adesivo que ele tinha no caderno”

Não se usa pronome oblíquo átomo em início de frase.

Na prova, a Frase da alternativa "C" está redigida da seguinte forma:

"Aos 28, já se formou, escreveu peça, foi à China".

Portanto, é mais uma das falhas do QC, nada de novo...

De toda forma, apesar das incorreções na atual disposição da alternativa C, a questão solicita erro na disposição do pronome, daí a gente da uma de louco e ignora os erros de pontuação e escrita e marca a que tem apenas o pronome errado mesmo.

Gabarito: D.

Qual é o erro da letra C quanto a pontuação, gente? Pra mim, é apenas um assíndeto, uma figura de linguagem.

A. "Não podia ver esse amigo que o adesivo me vinha à mente" > Nenhum impeditivo de próclise

B. "Nesse sábado, os dois vão se casar." > locução verbal vão (verbo auxiliar) + casar (verbo principal no infinitivo) - nesse caso pode haver próclise, mesóclise ou ênclise.

C. "Aos 28, já se formou, escreveu peça, foi à China" > "já" = adverbio = atrativo de próclise

D. "Me afastei de um amigo por causa de um adesivo que ele tinha no caderno” > não se deve usar próclise em inicio de oração ou período

A posição do pronome oblíquo átono (me, te, se, lhe, vos, o[s], a[s], etc.) pode ser distintamente três: próclise (antes do verbo. p.ex. não se realiza trabalho voluntário), mesóclise (entre o radical e a desinência verbal, p.ex. realizar-se-á trabalho voluntário) e ênclise (após o verbo, p.ex. realiza-se trabalho voluntário). 

Inspecionemos os itens a fim de encontrar uma frase cuja colocação pronominal incorra em erro:

a) "Não podia ver esse amigo que o adesivo me vinha à mente"

Correto. Tanto a próclise, já presente acima, quanto a ênclise (o adesivo vinha-me à mente) são legítimas;

b) "Nesse sábado, os dois vão se casar."

Correto, mas com ressalvas. De acordo com a gramática tradicional, não se interpõe pronome oblíquo átono na locução verbal sem que se ligue, por meio de hífen, ao verbo auxiliar, excerto se houver preposição. Na prática, dá-se assim a correta estrutura: "os dois vão-se casar". Essa tendência de não inserir o hífen iniciou-se no Romantismo e foi-se fortalecendo no decurso do tempo. De toda maneira, o uso foi de tal modo cristalizado que até mesmo a banca entendeu plenamente ilesa a erros a frase. Sendo assim, apesar da falta de correção, é menos incorreta esta alternativa do que o gabarito, como será visto a seguir;

c) "Aos 28, já se formou, escreveu peça, foi à China"

Correto. A próclise é a única colocação possível, pois o advérbio "já" atrai para si o pronome "se";

d) "Me afastei de um amigo por causa de um adesivo que ele tinha no caderno”

Incorreto. Os pronomes oblíquos átonos não podem encabeçar períodos: ou aparecem em mesóclise (quando houver verbos no futuro do presente, p.ex. afastarei, afastarão, ou no futuro do pretérito. p.ex. afastaria, afastaríamos) ou aparecem em ênclise. No caso em tela, por não haver verbo no futuro do presente ou do pretérito, pospõe-se o pronome. Correção: "Afastei-me de um amigo (...)".

Letra D

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