As frases perdem seu sentido, as palavras perdem
sua significação costumeira, como dizer das árvores e das
flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das
borboletas nas árvores, quando as crianças são
assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da
gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as
bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as
cidades?
Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das
coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães
danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome.
Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura
da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu
rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os
dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas
estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a
água, o céu, o mar e teu rosto. (...) Sobre toda a beleza paira
a sombra da escravidão. É como u’a nuvem inesperada num
céu azul e límpido. Como então encontrar palavras
inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e
tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas
me soam como uma traição neste momento.
(...)
Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim,
têm um significado neste momento. Houve um dia em que
eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces
vocábulos, as frases mais trabalhadas. Hoje só o ódio pode
fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só o ódio ao
fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio
que venha do coração e que nos tome todo, que se faça
dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver
qualquer espetáculo – desde o crepúsculo aos olhos da
amada – sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as
madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam
coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor.
Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão,
sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos
também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se
eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria
nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã
saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só
sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um
cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas
encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma
contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as
trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses
restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor
e a liberdade!
(AMADO, Jorge. Folha da Manhã, 22/04/1945.)
O autor afirma que não pode falar em seu texto sobre
as coisas belas e simples, como “os trigais e o pão, a
farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto”; a passagem
do texto que justifica essa recusa está apontada na
alternativa: