«Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, Que te...
«Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»
«Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?»
«Muita coisa mais do que isso,
Fala-me de muitas outras coisas.
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram.»
«Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.»
(PESSOA, F. O eu profundo e outros eus: antologia poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980).
“Com efeito, os heterônimos são, pode dizer-se, uma invenção nova na história da poesia europeia, embora no desenvolvimento de uma tendência antiga. Podemos talvez compreendê-la supondo que cada heterônimo corresponde a um ciclo de atitudes como que experimentais. O heterônimo Alberto Caeiro reage em verso prosaicamente livre contra o transcendentalismo saudosista, mostrando que ’o único sentido oculto das coisas / é elas não terem sentido oculto nenhum‘, e contra o farisaísmo, então concorrentemente jacobino e devoto, da poesia compassiva sentimental”.
(SARAIVA, A. J.; LOPES, Ó. História da literatura portuguesa. 26. ed. Porto: Porto Editora, 1996).
O poema de Fernando Pessoa, excerto de O guardador de rebanhos, vincula-se ao heterônimo Alberto Caeiro e estrutura-se em forma de diálogo entre dois sujeitos com percepções distintas sobre o vento. Considerando o trecho citado de Saraiva e Lopes em História da literatura portuguesa, a oposição entre as vozes que realizam o diálogo no texto de Pessoa-Caeiro relaciona-se: