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Dando o troco
(Alberto Villas)
Quando a gente entra num supermercado pra pagar 9,90 e
dá uma nota de 10, a caixa sempre vem com essa:
- Não tem 90 centavos?
Quando você vai comprar alguma coisa e tira da carteira
uma nota de 20, ela olha assustada e sempre solta essa:
- Não tem menor?
O Brasil é um país que não tem troco. E no país que não
tem troco, não sei por que cargas d’água, ao invés de
arredondar o preço, decidiram colocar tudo quebrado. Tudo
nesse país custa 9,99, 19,99, 29,99. Já percebeu que você
nunca vê uma coisa custando, por exemplo, 12 reais? Não. É
11,99. O mais curioso é que o tal do 1 centavo não está em
circulação há um bom tempo. Sei lá, acho que desde a copa
de 2010 nunca mais se viu aquela moedinha minúscula de 1
centavo.
Outro dia fui numa dessas lojas gigantescas na Marginal
Pinheiros e perguntei pra caixa se, em caso de um objeto
custar 9,99 e o freguês der uma nota de 10 o que ela faz. Ela
explicou que se o freguês insistir muito, fizer questão mesmo
do troco, ela vai “lá no depósito” e busca a moeda de 1
centavo. Ora, ao invés de ir no depósito buscar a moedinha
não seria mais fácil ter um punhado delas dentro da gaveta do
caixa?
Todo mundo sabe que o tal do 99 é para enganar cliente.
Uma vez vi uma mulher dizendo que um produto custava “19
e pouco”. Na verdade, custava 19,99. Quer dizer, custava 19
e muito. Mas para ela aquele 19,99 era muito, muito menos
que 20 reais. O mais curioso de tudo é que agora as coisas
custam 136,90. Ora, por quê 136,90? Para fingir que não
custa 137? Qual é a diferença?
Antigamente só algumas coisas tinham o preço quebrado.
Agora não. É tudo. Uma empadinha pode custar 4,99, um
cafezinho 3,99 e um estacionamento em São Paulo 9,99 a
hora. Não é 10. É 9,99! Nos cartórios então, os preços
quebrados fazem a festa. Uma autenticação? 2,91! Um
reconhecimento de firma? 4,93! e por aí vai. Nos postos de
gasolina a coisa fica pior ainda. O litro de gasolina custa
2.513! Outro dia passei numa livraria e vi o preço da caixa
com todos os vinis dos Beatles: 3.399,90. E na porta de uma
concessionária estava lá estampado o preço do carrão:
61.999.90!
Ultimamente tenho andado muito de ônibus e de graça.
Dou uma nota de 10 reais pro cobrador, ele abre a gavetinha
e me olha assustadíssimo.
- Não tenho troco!
Ótimo. Fico ali na frente sentadinho e na hora de descer
pergunto a ele se já tem o troco pros meus 10 reais.
- Nem pensar!
Então desço pela porta da frente, sem o menor problema.
Que vontade que tenho de chegar em algum lugar e perguntar
quanto custa o litro do leite e o vendedor responder:
Três reais!
Exatos 3 reais redondinhos! Mas não é assim. O litro do
leite custa 3,09.
Espero que esses quebrados fiquem apenas nos preços
porque já pensou daqui a pouco a Caninha se chamar 50,99,
o uísque se chamar Vat 68.90, aquele velho seriado de TV
passar a ser Casal 19.90, o banco virar Banco 23 horas e 59,
a estrada americana mudar para Rota 65,99?
Já pensou
quando lembrarmos do saudoso carnavalesco, a gente
lembrar do Joãosinho 29,99?
Já pensou se um médico daqueles da antiga colocar o
aparelhinho nas suas costas para medir o frêmito toraco-vocal
e pedir:
Fala 32,99!
Já pensou?
“Já pensou quando lembrarmos do saudoso carnavalesco, a
gente lembrar do Joãosinho 29,99?”
No trecho acima, a palavra em destaque (saudoso) exprime o
sentido de alguém que: