A oração “Pôde cuidá-la, viver mais um pouco o seu brilho p...
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Ano: 2023
Banca:
OBJETIVA
Órgão:
Prefeitura de Canoas - RS
Prova:
OBJETIVA - 2023 - Prefeitura de Canoas - RS - Técnico de Apoio à Educação Básica |
Q2233498
Português
Texto associado
O presságio de minha sogra
Dizem que Clara era a alegria em pessoa. Fazia
amizades no clube, na igreja e até na parada de ônibus.
Todos a conheciam pela erudição e simpatia. Foi professora
e catequista.
Ela faleceu de fulminante leucemia duas semanas
depois do meu início de namoro com Beatriz.
Eu somente tive a alegria de falar com ela por
telefone. Foi meio de susto. Estávamos no saguão de um
teatro em São Paulo. Beatriz falava com sua mãe ao celular
enquanto eu esperava que terminasse a ligação para
procurar nossos assentos, e ela, do nada, me passou o
aparelho:
— Minha mãe quer falar com você!
Eu estranhei, já que o gesto era meio precoce para
um relacionamento que recém havia começado. Parecia
uma oficialização do namoro antes da hora, antes do pedido
formal entre nós.
Fiquei sabendo que a sogra lia meus textos e que
meu livro pousava como predileto na sua cabeceira. Talvez
viesse estudando o temperamento do futuro genro.
A ligação foi profética, nem um pouco comum e
banal. Até hoje, lembro-me exatamente do que ouvi. Ela me
encorajou, ela me incentivou, ela me amparou. Não se
restringiu a uma troca amistosa de palavras entre dois
desconhecidos. Existia uma mensagem poderosa sendo
ditada para mim:
— Você é um sonhador, Fabrício. Você enxerga longe.
Leve Beatriz para seus sonhos: ela está precisando de uma
nova realidade.
Pego de surpresa com tamanha intimidade, eu
apenas consenti, apenas aceitei a missão: “Pode deixar!”.
Aquilo mexeu comigo por dentro. Como alguém que
não me conhecia me conhecia tão bem?
Nunca iria imaginar que seria o nosso primeiro e
último diálogo. Mas, possivelmente, eu senti algo de
diferente no ar. Um aviso do destino.
Fiquei transtornado naquela noite. Beatriz
questionou meu olhar perdido. Era um olhar voando para
longe.
Na manhã seguinte, eu acordei e logo a chamei para
conversar:
— Não sei explicar, mas a sua mãe precisa de você.
Volte para Belo Horizonte hoje.
Beatriz não entendeu a urgência. Ela ficaria em São
Paulo por mais uma semana, de férias. Imaginou que Clara
tivesse dito algo para mim em particular.
— De onde isso?
Esclareci que se tratava de um pressentimento, não
existiu nenhuma confidência.
O mais incrível é que Beatriz acatou o meu conselho.
Confiou em mim. Trocou as passagens e chegou à capital
mineira na mesma noite. Voltei para Porto Alegre, onde
morava.
Ao desembarcar, Beatriz descobriu que a mãe não se
encontrava em casa. Havia sido internada no hospital por
tontura e fraqueza naquele dia.
Ela teve a chance de se despedir de sua mãe, de
permanecer ao lado dela nos seus últimos momentos. Pôde
cuidá-la, viver mais um pouco o seu brilho para se abastecer
de saudade e não sofrer da culpa da distância.
Eu compareci ao enterro, já como namorado de
Beatriz.
Coloquei a minha mão no caixão e reafirmei a
promessa para Clara:
— Pode deixar comigo. Vá em paz, minha sogra
sonhadora!
(Fonte: Fabrício Carpinejar — adaptado.)
A oração “Pôde cuidá-la, viver mais um pouco o seu brilho
para se abastecer de saudade e não sofrer da culpa da
distância.” seguirá gramaticalmente CORRETA caso os
elementos sublinhados sejam substituídos, na ordem dada,
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