As normas de concordância verbal e nominal estão ple- nament...
As crônicas de Rubem Braga
Décadas atrás, afortunados leitores de jornal podiam
contar com uma coluna em que sobravam talento, reflexão,
observação atenta das cenas da vida, tudo numa linguagem
límpida, impecável, densamente poética e reflexiva. Era uma
crônica de Rubem Braga. Os chamados "assuntos menores",
que nem notícia costumam ser, ganhavam na pena do cronista
uma grandeza insuspeitada. Falasse ele de um leiteiro, de um
passarinho, de um pé de milho, de um casal na praia, de uma
empregada doméstica esperando alguém num portão de
subúrbio ? tudo de repente se tornava essencial e vivo, mais
importante que a escandalosa manchete do dia. É o que
costumam fazer os grandes artistas: revelam toda a carga de
humanidade oculta que há na matéria cotidiana pela qual
costumamos passar desatentos.
Rubem Braga praticamente só escreveu crônicas, como
profissional. À primeira vista, espanta que seja considerado um
dos grandes escritores brasileiros dedicando-se tão-somente a
um gênero considerado "menor": a crônica sempre esteve longe
de ter o prestígio dos romances ou dos contos, da poesia ou do
teatro. Mas o nosso cronista acabou por elevá-la a um posto de
dignidade tal que ninguém se atreverá de chamar seus textos
de "páginas circunstanciais". Tanto não o foram que estão todas
recolhidas em livros, driblando o destino comum do papel de
jornal. Recusaram-se a ser um entretenimento passageiro:
resistem a tantas leituras quantas se façam delas, reeditam-se,
são lidas, comentadas, não importando o dia em que foram
escritas ou publicadas.
Conheci Rubem Braga já velho, cansado, algo
impaciente e melancólico, falando laconicamente a estudantes
de faculdade. Parecia desinteressado da opinião alheia,
naquele evento organizado por uma grande empresa, a que
comparecera apenas por força de contrato profissional.
Respondia monossilabicamente às perguntas, com um olhar
distante, às vezes consultando o relógio. Não sabíamos, mas já
estava gravemente doente. Fosse como fosse, a admiração que
os jovens mostravam pelo velho urso pouco lhe dizia, era
evidente que preferiria estar em outro lugar, talvez sozinho,
talvez numa janela, ou na rede do quintal de seu apartamento
(sim, seu apartamento de cobertura tinha um quintal aéreo,
povoado de pássaros e plantas), recolhendo suas últimas
observações, remoendo seus antigos segredos. Era como se
nos dissesse: "Não me perguntem mais nada, estou cansado,
tudo o que me importou na vida já escrevi, me deixem em paz,
meninos."
E teria razão. O leitor que percorrer crônicas do velho
Braga saberá que ele não precisaria mesmo dizer nada além do
que já disse e continua dizendo em suas páginas mágicas,
meditadas, incapazes de passar por cima da poesia da vida.
(Manuel Régio Assunção)
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