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Q762421 Português

A natureza da economia

    A economia é um tipo de conhecimento muito diferente daquele das “ciências naturais” como a física ou a química, onde se pode, às vezes, estudar efeitos da causa “x” sobre o evento “y”, isolando, cuidadosamente, a alteração de outras variáveis que poderiam, eventualmente, perturbá-la. A diferença é que a descoberta de “leis” naquelas ciências deixa a natureza imperturbada. Depois que Galileu descobriu a lei da aceleração do movimento, Newton formulou a lei da gravidade universal e Faraday descobriu a lei da indução eletromagnética, a natureza não tomou conhecimento. Não pensou em reagir alterando a constante gravitacional!

    A “natureza”, na economia, é a “sociedade humana”. Uma combinação de indivíduos heterogêneos que reagem aos estímulos de formas diferentes, pensam, têm memória e interesses. Formam um sistema complexo de inter-relações que se alteram conforme seus membros tomam consciência de que, pela organização desses interesses e pelo “sufrágio universal”, podem mudá-las! É por isso, e algumas outras coisas, que a economia não tem relações estáveis (“leis”) e os economistas têm de construir sempre novos modelos, sujeitos à extraordinária hipótese de que “todo resto permanece constante”.

    O objeto da economia não muda. Muda o comportamento da sociedade, à medida que ela se conhece. O fato de ser uma modesta disciplina e não uma ciência “dura” não impede, entretanto, que ela tente usar a mesma metodologia para acumular conhecimentos úteis à administração privada e pública.

    É por isso que a discussão entre ortodoxos e heterodoxos é uma lamentável perda de tempo. Em economia, toda ideia realmente nova é, por definição, “heterodoxa”. Depois, dependendo da qualidade retórica da narrativa e da sobrevivência e da sua sobrevivência ao teste empírico é, ou não, incorporada à ortodoxia. Keynes foi um grande heterodoxo bem-sucedido. Hoje está incorporado à ortodoxia pelo neokeynesianismo, que infecciona os modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico (DSGE) de quase todos os bancos centrais. Robert Lucas foi, sob alguns aspectos, um heterodoxo malsucedido. Foi afoitamente abraçado pela ortodoxia mal informada que acreditou na racionalidade “divina” exigida pela teoria das expectativas “racionais”.

    A economia recepciona boa parte do que sugere o “mainstream”, principalmente que existem limites físicos insuperáveis; deve existir equilíbrio entre a expansão de consumo e a do investimento; há necessidade de boa ordem fiscal e monetária para que haja espaço para políticas anticíclicas; as tentativas de violar as identidades da contabilidade nacional sempre terminam muito mal; o desenvolvimento econômico é apenas o codinome do aumento da produtividade do trabalho e requer um Estado forte, constitucionalmente controlado, capaz de regular e garantir o bom funcionamento dos mercados. Mas não recepciona a ideia de que os mercados são autorreguláveis, obedecem ao imperativo categórico kantiano e levam ao pleno emprego, nem que há harmonia entre os membros da sociedade. Sabe que ela é dividida entre “ganhadores” e “perdedores” e que, portanto, toda política econômica altera essa relação.

    A sociedade democrática pretende combinar três objetivos não inteiramente compatíveis: liberdade individual, mitigação das desigualdades produzidas pelo acidente do local do nascimento e eficiência produtiva. No Brasil, só o exercício permanente e paciente da política – acompanhado do esclarecimento da maioria (“perdedora”) – poderá vencer nas urnas, o “ganhador”, o estamento estatal que se apropriou do poder.

    Fiquemos com a boa e modesta economia e aceitemos que ela não é “ciência”, mas pode ser muito útil na administração pública e privada. Como confessou Alan Greenspan (“o Maestro”, suposto portador da “ciência monetária” transformada em “arte”), no seu depoimento ao congresso dos Estados Unidos, em outubro de 2008, no auge da crise: “Ela é muito maior do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado... Estou chocado e incrédulo. Cheguei à conclusão de que nossos modelos (os do Fed) não perceberam a estrutura crítica que define o funcionamento do mundo”. Você ainda acredita que agora o Fed sabe o que está fazendo?

(NETTO, Antônio Delfin*. A natureza da economia. In. CARTA CAPITAL. O Brasil à venda: a redescoberta 500 anos depois. Ano XXII, nº 920. 28 set. 2016)

* Antônio Delfin Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

Essa questão será desenvolvida em três passos.
1º passo – Observe o emprego da pontuação nos trechos a seguir (I a V): I) A economia recepciona boa parte do que sugere o “mainstream” . II) A diferença é que a descoberta de “leis” naquelas ciências deixa a natureza imperturbada. III) “Ela é muito maior do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado... Estou chocado e incrédulo. Cheguei à conclusão de que nossos modelos (os do Fed) não perceberam a estrutura crítica que define o funcionamento do mundo”. IV) Como confessou Alan Greenspan (“o Maestro”, suposto portador da “ciência monetária” transformada em “arte”) no seu depoimento? V) O objeto da economia não muda. Muda o comportamento da sociedade, à medida que ela se conhece. 2º Passo – Com base nas frases anteriores (I a V), julgue as afirmações a seguir certas ou erradas. 1. ( ) De acordo com o sentido construído no texto, o emprego dos parênteses nas frases III e IV se justifica por conter uma explicação e/ou comentário sobre os termos: “Alan Greenspan” e “modelos”. 2. ( ) O emprego do sinal de interrogação no final da frase IV não altera o sentido daquele encontrado no texto. 3. ( ) O emprego das aspas nas frases I, II e III se justifica, respectivamente, por: assinalar estrangeirismo, dar ênfase à palavra, destacar a fala de Alan Greenspan. 4. ( ) O emprego do primeiro ponto na frase V foi utilizado para separar dois períodos. 5. ( ) As reticências, na frase III, ressaltam a clareza de um pensamento concluído. 6. ( ) As vírgulas foram empregadas nas frases IV e V, respectivamente, para: separar vocativo, separar sujeito de predicado. 3º Passo: Marque a opção que contempla a resposta quanto às afirmações anteriores (1-6). Assinale a alternativa correta:
Alternativas

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Vamos lá!

A alternativa correta para a questão é a B - Estão certas 1, 3 e 4.

Agora, vamos entender o porquê dessa alternativa estar correta e analisar as alternativas incorretas, ponto a ponto.

1. De acordo com o sentido construído no texto, o emprego dos parênteses nas frases III e IV se justifica por conter uma explicação e/ou comentário sobre os termos: “Alan Greenspan” e “modelos”.

Correta. Os parênteses realmente são utilizados para inserir explicações ou comentários adicionais sobre os termos mencionados. Na frase III, os parênteses explicam o que “os do Fed” significa, e na frase IV, os parênteses dão mais informações sobre “Alan Greenspan”.

2. O emprego do sinal de interrogação no final da frase IV não altera o sentido daquele encontrado no texto.

Errada. O sinal de interrogação altera o sentido da frase. No texto original, a frase é uma afirmação. Transformá-la em pergunta muda o sentido, tornando-a uma questão.

3. O emprego das aspas nas frases I, II e III se justifica, respectivamente, por: assinalar estrangeirismo, dar ênfase à palavra, destacar a fala de Alan Greenspan.

Correta. Nas frases I, II e III, as aspas são usadas exatamente para esses propósitos: na frase I, as aspas destacam o termo estrangeiro "mainstream"; na frase II, dão ênfase à palavra “leis”; e na frase III, destacam a citação direta de Alan Greenspan.

4. O emprego do primeiro ponto na frase V foi utilizado para separar dois períodos.

Correta. Na frase V, o primeiro ponto tem exatamente essa função: separar dois períodos distintos.

5. As reticências, na frase III, ressaltam a clareza de um pensamento concluído.

Errada. As reticências não são usadas para ressaltar a clareza de um pensamento concluído, mas sim para indicar uma pausa ou continuidade de pensamento, geralmente incompleto.

6. As vírgulas foram empregadas nas frases IV e V, respectivamente, para: separar vocativo, separar sujeito de predicado.

Errada. Na frase IV, a vírgula é usada para separar um aposto ("o Maestro") e na frase V, a vírgula é utilizada para separar uma oração subordinada adverbial ("à medida que ela se conhece").

Portanto, fica claro que as alternativas corretas são a 1, 3 e 4, justificando a escolha da alternativa B.

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Comentários

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GABARITO: letra B (Estão certas 1, 3 e 4)

 

1. ( V ) – É para isso que servem os parênteses, eles adicionam alguma explicação ou esclarecimento de um termo anterior.

2. ( F ) – Altera sim o sentido: “como” no texto significa “conforme”, enquanto que na frase IV significa “de que modo”.

3. ( V ) – Correto, essas são algumas das funções das aspas.

4. ( V ) – Exatamente, o ponto final serve principalmente para fechar o período de frases declarativas e imperativas.

5. ( F ) – Errado, as reticências nunca podem ser usadas para ressaltar a clareza de um pensamento. Uma das funções desse sinal é indicar a suspensão ou interrupção de uma ideia ou pensamento.

6. ( F ) – Separar aposto (IV) e oração subordinada adverbial proporcional (V).

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