No fragmento de texto de Ana Maria Leal Cardoso, a narrativa...
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Ano: 2024
Banca:
CESPE / CEBRASPE
Órgão:
Prefeitura de Aracaju - SE
Prova:
CESPE / CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Aracaju - SE - Professor - Disciplina: Língua Portuguesa |
Q3131266
Português
Texto associado
Graciliano Ramos:
Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:
de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.
(...)
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:
que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada, onde possa esconder-se a fraude.
(...)
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:
e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.
(...)
Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:
que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.
João Cabral de Melo Neto. Obra completa: volume único.
Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 311-312.
“Senti-me bastante perturbada com a necessidade de
passar para o papel aquilo que algumas pessoas que ‘habitavam’
a minha cabeça estavam querendo dizer-me. Então perguntei ao
Paim (o marido) se aquilo daria mesmo um conto, ou quem sabe
um romance. Ele apenas aconselhou-me a dar corpo ao texto,
mesmo que não fosse um romance.” Alina passou a escrever à
noite enquanto o marido dormia, pois não queria que lesse
absolutamente nada. Cinco meses depois de tê-lo concluído,
tratou de ir à confeitaria Colombo, em Copacabana; em uma
dessas oportunidades, deparou-se com Graciliano Ramos, a quem
confiou o manuscrito de Estrada da liberdade; porém, sua única
exigência era que ele dissesse se o que produziu era mesmo um
romance. Acertaram um reencontro para 15 dias mais tarde. Qual
foi sua surpresa ao ouvi-lo dizer: “Alina, é um romance, sim, e
dos bons, porém falta-lhe aprimorar a técnica.” Segundo a
romancista, naquele momento nasceu uma grande amizade entre
ambos, capaz de despertar ciúmes não apenas no mundo literário,
mas em alguns familiares e amigos. Iniciaram-se as aulas de
técnicas literárias na casa de Graciliano, de modo que ele se
tornou responsável pela correção e leitura dos seus dois romances
seguintes. Sua amizade, com aquele a quem chamou
carinhosamente de “Mestre Graça”, rompeu-se nove anos mais
tarde, por ocasião de sua morte.
Ana Maria Leal Cardoso. Alina Paim: uma romancista esquecida nos labirintos do tempo. In: Aletria,
maio-ago 2010, n. 2, v. 20, p.126-127 (com adaptações).
Poucas vezes terá visto o romance brasileiro uma estreia
tão segura de si quanto a de Francisco J. C. Dantas. O precedente,
ilustre, que logo acode a lembrança é obviamente o de
Graciliano Ramos com Caetés (1933). Tal como o ex-prefeito de
Palmeira dos Índios que se apresentou escritor já feito aos olhos
de seus primeiros leitores, este sergipano professor de Letras que,
além de ter cumprido a penitência de duas teses universitárias, só
publicara até agora contos e ensaios esparsos, é dono de uma
linguagem vigorosa, pessoal, rara de encontrar-se num romance
de estreia. Coivara da memória é outrossim, como Caetés, um
romance meio fora de moda. Melhor dizendo: providencialmente
fora de moda.
José Paulo Paes. No rescaldo do fogo morto: sobre a “Coivara da Memória”
de Francisco Dantas. In: Transleituras. São Paulo, Ática, 1995, p.46.
No fragmento de texto de Ana Maria Leal Cardoso, a narrativa
do diálogo entre os romancistas Alina Paim e Graciliano Ramos
permite a inferência de que, para ambos, no texto literário, a
forma estética antecede em importância a mensagem.