A semelhança entre Caetés, romance de estreia de Gracilian...

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Q3131267 Português
Graciliano Ramos: 

Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca: 

de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara. 

(...) 

Falo somente do que falo: 
do seco e de suas paisagens,
 Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre: 

que reduz tudo ao espinhaço, 
cresta o simplesmente folhagem, 
folha prolixa, folharada, onde possa esconder-se a fraude. 

(...) 

Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas 
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:

e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua. 

(...) 

Falo somente para quem falo: 
quem padece sono de morto 
e precisa um despertador 
acre, como o sol sobre o olho: 

que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso, 
e bate nas pálpebras como 
se bate numa porta a socos. 

João Cabral de Melo Neto. Obra completa: volume único.
Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 311-312.

        “Senti-me bastante perturbada com a necessidade de passar para o papel aquilo que algumas pessoas que ‘habitavam’ a minha cabeça estavam querendo dizer-me. Então perguntei ao Paim (o marido) se aquilo daria mesmo um conto, ou quem sabe um romance. Ele apenas aconselhou-me a dar corpo ao texto, mesmo que não fosse um romance.” Alina passou a escrever à noite enquanto o marido dormia, pois não queria que lesse absolutamente nada. Cinco meses depois de tê-lo concluído, tratou de ir à confeitaria Colombo, em Copacabana; em uma dessas oportunidades, deparou-se com Graciliano Ramos, a quem confiou o manuscrito de Estrada da liberdade; porém, sua única exigência era que ele dissesse se o que produziu era mesmo um romance. Acertaram um reencontro para 15 dias mais tarde. Qual foi sua surpresa ao ouvi-lo dizer: “Alina, é um romance, sim, e dos bons, porém falta-lhe aprimorar a técnica.” Segundo a romancista, naquele momento nasceu uma grande amizade entre ambos, capaz de despertar ciúmes não apenas no mundo literário, mas em alguns familiares e amigos. Iniciaram-se as aulas de técnicas literárias na casa de Graciliano, de modo que ele se tornou responsável pela correção e leitura dos seus dois romances seguintes. Sua amizade, com aquele a quem chamou carinhosamente de “Mestre Graça”, rompeu-se nove anos mais tarde, por ocasião de sua morte. 

Ana Maria Leal Cardoso. Alina Paim: uma romancista esquecida nos labirintos do tempo. In: Aletria, maio-ago 2010, n. 2, v. 20, p.126-127 (com adaptações). 

        Poucas vezes terá visto o romance brasileiro uma estreia tão segura de si quanto a de Francisco J. C. Dantas. O precedente, ilustre, que logo acode a lembrança é obviamente o de Graciliano Ramos com Caetés (1933). Tal como o ex-prefeito de Palmeira dos Índios que se apresentou escritor já feito aos olhos de seus primeiros leitores, este sergipano professor de Letras que, além de ter cumprido a penitência de duas teses universitárias, só publicara até agora contos e ensaios esparsos, é dono de uma linguagem vigorosa, pessoal, rara de encontrar-se num romance de estreia. Coivara da memória é outrossim, como Caetés, um romance meio fora de moda. Melhor dizendo: providencialmente fora de moda. 

José Paulo Paes. No rescaldo do fogo morto: sobre a “Coivara da Memória”
de Francisco Dantas. In: Transleituras. São Paulo, Ática, 1995, p.46. 




A semelhança entre Caetés, romance de estreia de Graciliano Ramos, e Coivara da memória, primeiro romance de Francisco Dantas, mencionados no texto de José Paulo Paes, reside fundamentalmente no fato de que ambos os romancistas publicaram suas longas narrativas apenas em sua maturidade etária e literária.
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