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Q385847 Português
                    Brasileiro, Homem do Amanhã

(Paulo Mendes Campos)


          Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
          A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
          Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
          Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
          Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
          Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
          Quanto à morte não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na Canção do Exílio, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que morra sem que volte para lá, isto é, para cá. Já Álvares de Azevedo tem aquele famoso poema cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã!”. Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
          Sim, adiamos por força dum incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com um furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe sempre a gravata mais colorida.
          O brasileiro adia, logo existe.
          A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico. A verdade é que já está nos manuais. Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei no fim do volume algumas informações essenciais sobre nós e sobre a nossa terra. Entre poucos endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:

                    Palavras

          Hier: ontem
          Aujourd’hui: hoje
          Demain: amanhã
          A única palavra importante é “amanhã”.
          Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem.


A linguagem coloquial aparece seguidas vezes no texto. O segmento que a exemplifica é:
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Olá, alguém poderia explicar melhor essa questão para mim. Obrigada!

Na questão acima o uso da palavra "Ora", torna a sentença em linguagem coloquial. Abaixo algumas comparações entre a linguagem coloquial e culta.


Língua coloquial:

  • Variante espontânea;
  • Utilizada em relações informais;
  • Sem preocupações com as regras rígidas da gramática normativa;
  • Presença de coloquialismos (expressões próprias da fala), tais como: pega levese tocatá rolandoetc.
  • Uso de gírias;
  • Uso de formas reduzidas ou contraídas (pra, cê, peraí, etc.)
  •  Uso de “a gente” no lugar de nós;
  • Uso frequente de palavras para articular ideias (tipo assim, ai, então, etc.);

 Língua culta:

  • Usada em situações formais e em documentos oficiais;
  • Maior preocupação com a pronúncia das palavras;
  • Uso da norma culta;
  • Ausência do uso de gírias;
  • Variante prestigiada.

A língua coloquial, por ser descontraída, relaciona-se à fala (língua oral), enquanto a culta, à escrita.


Espero ter ajudado, bons estudos.

Entendo que a expressão "...agarrou-nos pela perna..." seja coloquial, assim como: nos deixou de calças curtas. Poderíamos reescrevê-la da seguinte forma para que se torne linguagem culta: ...aquele francês nos surpreendeu com a sua astúcia...

e o lá fora da letra d? Não reflete linguagem coloquial? Para ser culto o emprego deveria ser no exterior ou algum outro sinônimo, não?

"ora" não torna a frase coloquial. O que a torna coloquial é o "agarrou-nos pela perna".

Mas entendo que a "c" também esta na forma coloquial quando o autor utiliza "já anda" (a capacidade de adiar não anda, está utilizando de metáfora) e também "lá fora". 

Se alguem puder esclarecer, à vontade.

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