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Q594006 Português
1º     Num recente debate com estudantes de Letras da USP, o crítico de arte e ficcionista Rodrigo Naves pôs lado a lado, numa boutade cheia de razão, Pelé e Machado de Assis. De fato, se a formação da literatura brasileira desemboca em Machado, a do futebol brasileiro desemboca em Pelé. Quem ousaria compará-los? Quem dirá quem é superior? Driblarei a questão indo direto ao ponto: como foram possíveis um ao outro? Ambos nos dão a impressão de render as condições que os geraram, como se pairassem acima delas. Render, aqui, significa submetê-las (a pobreza, o atraso, a situação periférica do país) levando-as as suas consequências máximas, e superando-as sem negá-las. A discrepância aparentemente berrante entre o escritor e o jogador de futebol contém nela mesma o xis do problema. Ambos são necessários para que se formule a trama de um país mal letrado e exorbitante, cujo destino passa pelas reversões entre a “alta" e a “baixa" cultura, pelo confronto e pelo contraponto das raças, pela palavra e pelo corpo, e cuja formação não poderia se dar apenas na literatura: o ser brasileiro pede minimamente – para se expor em sua extensão e intensidade – a literatura, o futebol e a música popular.

2º     Comparo Machado de Assis a Pelé (...) não porque sejam semelhantes como personalidades e estilos, mas porque ______ aquela similitude dos opostos complementares: além de todas as diferenças óbvias implicadas nos campos da literatura e do futebol, o foco de um ilumina o cerne da nossa incapacidade de escapar ao retorno vicioso do mesmo, e o do outro a nossa capacidade de invenção lúdica e a extraordinária potência da nossa promessa de felicidade. O que os ______ é a afirmação, na negatividade e na possibilidade, da consciência fulminante e da intuição em ato, assim como a capacidade de fazer o país saltar aos nossos olhos como melhor do que ele mesmo.

3º     Mas melhor do que ele mesmo supõe necessariamente um pior do que ele mesmo. Machado de Assis radiografou de maneira implacável o nosso atraso como um descortino fulgurante, cujo avanço não paramos de descobrir. E só pôde fazê-lo da maneira que o fez, acredito eu, porque viu por dentro a sociedade de ponta a ponta – como condição entranhada em sua trajetória de vida – e porque deu uma poderosa forma nova ....... tradição literária acumulada. Mais do que atraso, no entanto, flagrou a paralisia congênita da alma nacional, se quisermos chamar desse modo o renitente sistema auto-ilusão compartilhada que refuga os golpes do real ...... custa de expedientes de acomodação e escape que _______ ileso o estado de coisas, mesmo quando insustentável.

4º     O futebol brasileiro é, por sua vez, o saldo ambivalente desse déficit, seu veneno e seu remédio prodigioso. Seria mais um mecanismo de fuga entre outros se não fosse, ao mesmo tempo, o campo em que a experiência brasileira encontrou uma das vias privilegiadas para atravessar o seu avesso e tocar as fraturas traumáticas que nos constituem e permanecem em nós como um atoleiro. Ele é a confirmação do paradoxo da escravidão brasileira como um mal nunca superado e, ao mesmo tempo, como um bem valioso em nossa existência, não pela escravidão enquanto tal – o que é óbvio e gritante aos céus –, mas pela amplitude de humanidade que desvelou. Por isso mesmo, ele figura como redenção e como falha irresolvida, como remédio irremediável em que pendulamos, na incapacidade de estender os seus dons vitoriosos e potentes ....... outras áreas da vida nacional – em especial à educação e à política, com implicações para todo o resto. E a mesma cegueira faz com que se queira gozar os seus efeitos como se fossem dados de presente e desde sempre e que se recuse ....... reconhecer o custo permanente da sua construção.

(WISNIK, José Miguel. Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008).  
Analise as afirmativas referente às classes e funções que as palavras exercem no texto:

I - O vocábulo “os" em “que os geraram". (1º parágrafo) é pronome pessoal do caso oblíquo em função de objeto direto.

II - O vocábulo “traumáticas" em “tocar as fraturas traumáticas". (4º parágrafo) é adjetivo em função de adjunto adnominal.

III - O vocábulo “atraso" em “Assis radiografou de maneira implacável o nosso atraso" (3º parágrafo) é substantivo em função de núcleo do objeto indireto.

IV - O vocábulo “que" em “remitente sistema auto-ilusão compartilhada que refuga os golpes do real" (3º parágrafo) é pronome relativo em função de sujeito.

Quais afirmativas estão corretas?  
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