Na frase “É bom ter o nosso preço na ponta da língua e sempr...
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Ano: 2018
Banca:
INAZ do Pará
Órgão:
CRN - 7ª Região (AC, AP, AM, PA, RO e RR)
Prova:
INAZ do Pará - 2018 - CRN - 7ª Região (AC, AP, AM, PA, RO e RR) - Auxiliar Administrativo |
Q2037192
Português
Texto associado
MEU VALOR
Como todo homem tem seu preço e a corrupção é o que mais dá dinheiro no Brasil, hoje, decidi calcular o meu valor
para o caso de quererem me comprar. É bom ter o nosso preço na ponta da língua e sempre atualizado, pois – para usar a fraselema do Brasil dos nossos dias – nunca se sabe.
Nossa autoavaliação deve ser objetiva. Costumamos nos dar mais valor do que realmente temos e há o perigo de, por
uma questão de amor próprio, nos colocarmos fora do mercado. Também tendemos a valorizar coisas que, no mundo
eminentemente prático da corrupção, não valem muito, como bons hábitos de higiene e a capacidade de mexer as orelhas. O que
vale é o que podemos oferecer para o lucro imediato de quem nos comprar.
As pessoas se queixam da falta de ética no Brasil e não se dão conta de que isso se deve à pouca oportunidade que o
brasileiro comum tem de escolher ser ético ou não. Eu tenho tanto direito a ser corrupto quanto qualquer outro cidadão, mas não
tenho oportunidade de sequer ouvir uma proposta para decidir se aceito. A corrupção continua ao alcance apenas de uns poucos
privilegiados. Por que só uma pequena casta pode decidir se vai ter um comportamento ético enquanto a maioria permanece
condenada à ética compulsória, por falta de alternativas? Quando me perguntam se sou ético, a única resposta que posso dar é a
mesma que dou quando me perguntam se gosto do vinho Chateau Petrus: não sei. Nunca provei.
Quem me comprar pode não lucrar com minhas conexões no governo ou com o conteúdo, inclusive, dos meus bolsos. Mas e o casco? Quanto me dão pelo vasilhame? Pagando agora eu garanto a entrega do corpo na hora da minha morte, com os
sapatos de brinde. Tenho muitos anos de uso mas todos os sistemas em razoável estado de conservação, precisando apenas de
alguns ajustes das partes que se deterioraram com o tempo. Meus cabelos são poucos mas os que ficaram são da melhor qualidade,
do contrário não teriam ficado. Não dão para uma peruca inteira, mas ainda dão para um bom bigode.
Meu cérebro, vendido à ciência, daria para alimentar vários ratos de laboratório durante semanas. Prejudicaria um pouco
seu desempenho no labirinto, mas em compensação eles saberiam toda a letra do bolero No Sé Tú. Minhas entranhas dariam um
bom preço em qualquer feira de órgãos usados, dependendo, claro, do poder de persuasão do leiloeiro (“Leve um sistema
cardiovascular e eu incluo uma caixa de Isordil!”). Meu apêndice, por exemplo, nunca foi usado.
Tudo calculado, descontada a depreciação, devo estar valendo aí uns, deixa ver… Mas é melhor não me anunciar. Vai
que aparece um corruptor em potencial e eu descubra que não só não valho nada como estou lhe devendo.
Luis Fernando Veríssimo
Disponível em: http://contobrasileiro.com.br/meu-valor-cronica-de-luis-fernando-verissimo
Na frase “É bom ter o nosso preço na ponta da língua e sempre
atualizado”, o autor produz um efeito linguístico: