O aluguel e o sustento da casa eram itens ________ quais o c...
De cinco em cinco minutos
Em algum momento menos próspero dos anos 70 – com certeza entre empregos ou pulando de frila em frila* –, encontrei repentinamente minha amiga Gardênia Garcia na avenida Rio Branco. Depois de beijos e abraços pelo reencontro, ela me convidou a subir à salinha que fazia de escritório, ali perto.
Fomos. A salinha consistia de duas cadeiras e uma mesa, esta forrada de pôsteres, folders e prospectos sobre a Encyclopaedia Britannica, com ênfase na última edição, a de 1972, em 32 volumes. A qual se orgulhava de ter, entre os autores de seus artigos, luminares como Albert Einstein, Anna Freud, sir Alexander Fleming, Alfred Hitchcock, Claude Lévi-Strauss, Carl Sagan, e isso apenas de A a C. O incrível é que, pela primeira meia hora, não percebi que Gardênia estava tentando me vender uma enciclopédia.
Naquela época, tendo de rebolar para fazer jus ao aluguel, à feira e ao sapato das crianças, a última coisa de que eu precisava era de uma Britannica. Pois não é que comprei a dita, e, de lambujem, ainda levei o Webster’s Dictionary em três volumes e um enorme Atlas, tudo em 30 ou 40 prestações?
Bem, aconteceu que a aquisição daquela Britannica não me levou à falência, nem fez faltar feijão à mesa ou sapato para as meninas. Aliás, nos anos seguintes, seus artigos me foram tão úteis que ela se pagou várias vezes. E, hoje, graças a Gardênia, continuo possuidor da famosa edição de 1972, que tinha até Einstein e Hitchcock entre seus colaboradores.
Em 2012, ouvi que a Britannica anunciava o fim de sua edição impressa e se limitaria a existir on-line e em digital, o que lhe permitiria ser atualizada de cinco em cinco minutos. Não vi vantagem nisso. Na Britannica de papel, o mundo tinha de parar entre uma edição e outra, enquanto os luminares escreviam seus artigos.
(Ruy Castro. Folha de S.Paulo, 24.03.2012. Adaptado)
* pulando de frila em frila: realizando trabalhos como profissional autônomo; como freelancer.
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