Do amor aos bichos Olhai uma galinha qualquer ciscando num c...
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Q1211230
Português
Do amor aos bichos
Olhai uma galinha qualquer ciscando num campo, ou em seu galinheiro: que feminilidade autêntica, que espírito prático e, sobretudo, que saúde moral! E põe ovos! Já pensastes, apressado leitor, no que seja um ovo? É misterioso, útil e belo. Muito poéticas, as galinhas põem-se, no entardecer, a cacarejar docemente em seus poleiros; e são belas, inexcedivelmente belas durante a maternidade. Assim as vacas, mas de maneira outra. E não seria à toa que, a mais de tratar-se de um bicho contemplativo, é a vaca uma legítima força da natureza — e de compreensão mais sutil que a galinha, por isso que nela intervêm elementos espirituais autênticos, como a meditação filosófica e o comportamento plástico. De fato, o que é um campo sem vacas senão mera paisagem? Nunca ninguém fez mais pelo povo que uma simples vaca que lhe dá seu leite e sua carne, ou uma galinha que lhe dá seu ovo. E, uma vez dito isto, caiba-me uma consideração final contra os bichos prepotentes, sejam eles nobres como o leão ou a águia, ou furbos como o tigre ou o lobo: bichos que querem campear, sozinhos, senhores de tudo, donos da vida; bichos ferozes e egoístas contra o povo dos bichinhos humildes, que querem apenas um lugar ao sol. Para vencê-los, que se reúnam todos os outros bichos, inclusive os domésticos “mus” e “cocoricós”, porque, cacarejando estes, conglomerando-se aqueles em massa pacífica, mas respeitável, não prevalecerá contra eles a garra do tigre ou o dente do lobo. Constituirão uma frente comum intransponível, a dar democraticamente leite e ovos em benefício de todos, e destemerosa dos rugidos da fera. Porque uma fera é, em geral, covarde diante de uma vaca disposta a tudo.
(Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor. São Paulo, Companhia das Letras, 2009. Adaptado)
No texto, as galinhas e as vacas representam
Olhai uma galinha qualquer ciscando num campo, ou em seu galinheiro: que feminilidade autêntica, que espírito prático e, sobretudo, que saúde moral! E põe ovos! Já pensastes, apressado leitor, no que seja um ovo? É misterioso, útil e belo. Muito poéticas, as galinhas põem-se, no entardecer, a cacarejar docemente em seus poleiros; e são belas, inexcedivelmente belas durante a maternidade. Assim as vacas, mas de maneira outra. E não seria à toa que, a mais de tratar-se de um bicho contemplativo, é a vaca uma legítima força da natureza — e de compreensão mais sutil que a galinha, por isso que nela intervêm elementos espirituais autênticos, como a meditação filosófica e o comportamento plástico. De fato, o que é um campo sem vacas senão mera paisagem? Nunca ninguém fez mais pelo povo que uma simples vaca que lhe dá seu leite e sua carne, ou uma galinha que lhe dá seu ovo. E, uma vez dito isto, caiba-me uma consideração final contra os bichos prepotentes, sejam eles nobres como o leão ou a águia, ou furbos como o tigre ou o lobo: bichos que querem campear, sozinhos, senhores de tudo, donos da vida; bichos ferozes e egoístas contra o povo dos bichinhos humildes, que querem apenas um lugar ao sol. Para vencê-los, que se reúnam todos os outros bichos, inclusive os domésticos “mus” e “cocoricós”, porque, cacarejando estes, conglomerando-se aqueles em massa pacífica, mas respeitável, não prevalecerá contra eles a garra do tigre ou o dente do lobo. Constituirão uma frente comum intransponível, a dar democraticamente leite e ovos em benefício de todos, e destemerosa dos rugidos da fera. Porque uma fera é, em geral, covarde diante de uma vaca disposta a tudo.
(Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor. São Paulo, Companhia das Letras, 2009. Adaptado)
No texto, as galinhas e as vacas representam