O Popular                  Uma figura que sempre me intrigou...

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Ano: 2012 Banca: CONSULPLAN Órgão: Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ
Q1197128 Português
O Popular                    Uma figura que sempre me intrigou é o Popular. Você o conhece: nas fotos ou filmes dos acontecimentos – manifestações, diligências policiais, visitas de autoridades – ele é o que aparece num canto, com as mãos no bolso e um embrulho debaixo do braço. Com a cara de quem foi ao armazém e na volta parou para ver a História.               Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas agitações políticas, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baionetas caladas e lá estava o Popular, com seu embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia.                              Imaginei, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular apareceria assistindo ao descobrimento do Brasil, à primeira missa, ao grito do Ipiranga, à proclamação da República... Sempre com seu embrulho debaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças.                           Não se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é o que fica assistindo a sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos nos bolsos e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar com uma frase de comício ou um drama na rua, e aí o Popular é o que fica olhando para o Transeunte.               O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando a televisão resolve ouvir “a opinião de um popular” na rua, sempre se engana. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmera.                  O Popular não merece os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é “socorrido por populares”, outro, menos feliz, que é linchado por populares... Engano. Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante das coisas. Não é que o Popular desmereça o poder e os grandes lances da humanidade. É que tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, uma fascinação irresistível pelo insignificante. Nas revoluções o que atrai o Popular é a estranha postura dos soldados deitados no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmera.                      O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E – este é o seu maior mistério, a chave da sua existência – ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. No dia em que pegarem um Popular para desvendarem o mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo tudo.                    (Veríssimo, Luís Fernando. In: O Estado de S. Paulo, 10/08/1981)       O termo “popular” está grafado com letra maiúscula ao longo de todo o texto para 
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