Considere o trecho: “Como não confiar na vida, depois desse...

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Q2349024 Português
Na varanda 


   Já faz parte do anedotário lírico brasileiro aquele episódio (autêntico) de Murilo Mendes caminhando por uma rua, nem sei mais se de Minas ou do Rio. De repente vê uma moça debruçada na janela. Há tanto que não presenciava cena semelhante, comum no interior e em tempos idos, mas praticamente extinta na vida urbana, que, invocado e cheio de entusiasmo, ajoelhou-se e começou a exclamar aos berros, gesticulando com excitação:

   – Mulher na janela, que beleza! Mulher na janela, meus parabéns!

  A moça deve ter fugido assustada, provavelmente sem entender o que aquele homem alto e ossudo saudava com tamanha efusão. Como explicar-lhe que, com certeiro instinto, Murilo identificara e estava fixando para sempre, da maneira espontânea e exuberante que lhe era própria, um flagrante poético perfeito, o milagre que ela própria, sem perceber, corporizava? Moça que, em plena cidade e infensa à agitação a seu redor, dispunha ainda de lazer e prazer para pôr-se à janela e contemplar a rua, os transeuntes, a tarde, as nuvens. Mulher na janela...

  Pois a mim também, há pouco, me foi concedido o privilégio de captar um momento desses, tão impregnados de passado que dir-se-iam irreais nos dias de hoje – coisa de outra civilização. Eram quase duas horas de uma quarta-feira e buscávamos, meu amigo e eu, um lugar tranquilo para almoçar. Apesar do mau tempo, ou por causa dele, todos os restaurantes do Leblon, com mesinhas na calçada, estavam repletos. Numa esquina de Ipanema encontramos um, semivazio, onde se costuma comer uma boa massa, e para lá nos dirigimos às carreiras, impulsionados pela fome e pela chuva. De repente, estacamos diante de um sobradinho, desses que vão se tornando raridade no Rio. Não fizemos o menor comentário, mas ali permanecemos alguns minutos, imóveis, perplexos, enquanto a água ia caindo. A casa estava rodeada por um mínimo jardim e tinha à frente um alpendre também pequenino, protegido da chuva. Nele, um casal de velhinhos conversava. 

  – Velhinhos na varanda! – gritei dentro de mim mesma, deslumbrada. – Que coisa mais linda, velhinhos na varanda! Os dois nem repararam em nossa presença curiosa, ou, se o fizeram, acharam-na corriqueira. Talvez estivessem acostumados a despertar a atenção dos que passavam, pois, ao vê-los, tive imediatamente a certeza de que sentar-se na varanda à hora da sesta era um ritual que ambos executavam regularmente. As cadeiras eram de vime, colocadas uma ao lado da outra; não havia mesa entre elas, só vasos com plantas e flores pelos cantos. Junto à porta aberta, um capacho. Os dois se olhavam, falavam sem pressa, quase sem gestos, e sorriam de leve. Tudo muito devagar, como se nada urgisse, e aquele colóquio, diante da chuva, tivesse a importância natural das coisas mais simples.

  Velhinhos na varanda.... Nem eram assim tão velhos – meu amigo e eu comentamos depois. O diminutivo surgia instintivamente, como demonstração de ternura, e me lembrei do que outro poeta, o Bandeira, explicava a respeito do Aleijadinho, cujo apelido refletia apenas a solidariedade e o carinho que a doença daquele mulato robusto e de boa altura despertava no povo da Vila Rica. Velhos na varanda – não, isso não expressa o que vimos. Eram um velhinho e uma velhinha, numa varanda de Ipanema (ou seria em Mariana?), conversando tranquilamente depois do almoço. Como não confiar na vida, depois desse flash apenas entrevisto, mas tão bonito, tão comovedor, que imediatamente se cristalizou em nós? Em janeiro de 1980, quando a cidade se desequilibra entre a inflação e a violência, quando o mundo assiste, aflito e impotente, aos desvarios que ameaçam dilacerá-lo, quando...

  Um casal de velhinhos se senta na varanda, num começo de tarde chuvosa, e conversa. Sobre quê? Sobre tudo, sobre nada – não interessa. Estão sentados e conversam. Ela nem sequer faz algum trabalho manual, uma blusinha de crochê para a neta, um paninho para colocar debaixo da fruteira da sala; ele não tem nenhum jornal ou livro no colo. Estão ali exclusivamente para conversar um com o outro. Olham a rua distraidamente. O fundamental são eles mesmos, conversando (pouco), sentados nas cadeiras de vime, num dia de semana como qualquer outro.

   É, nem tudo está perdido, pelo contrário, se ainda resta gente que pode e quer cultivar essas delicadas flores do espírito, comentando isso e aquilo, o namoro da empregada, a nova receita de bolo, o último capítulo da novela, o preço da alcatra – esquecida de tudo que é triste e feio e ruim, de tudo que não cabe naquele alpendre úmido. Velhinhos na varanda...

   Enquanto almoçamos, fico imaginando que não há de faltar muito para cumprirem as bodas de ouro; que os filhos se casaram; que devem reunir-se todos no sobrado, para o ajantarado de domingo, gente madura, jovens, meninos, bebês e babás, em torno dos dois velhinhos. Talvez tenham perdido uma filha ainda adolescente, vítima de alguma doença estranha que os médicos não souberam diagnosticar. Talvez tenham feito uma longa viagem à Europa depois que ele se aposentou, ou passado uma temporada nos Estados Unidos quando o caçula esteve completando o PhD. Talvez nada disso. Fico imaginando, mas nenhuma dessas histórias me seduz. Gostei mesmo é do que vi: o casal de velhinhos conversando na varanda.

  Comemos quase em silêncio, meu amigo e eu, sem reparar se a massa estava gostosa. À saída passamos diante do sobradinho, em cujo alpendre não havia mais ninguém.


(Coleção Melhores Crônicas: Maria Julieta Drummond de Andrade. Seleção e prefácio de Marcos Pasche. Global, 2012, pp.187-190. Publicada no livroUm buquê de alcachofras, 1980.)
Considere o trecho: “Como não confiar na vida, depois desse flash apenas entrevisto, mas tão bonito, tão comovedor, que imediatamente se cristalizou em nós?” (7º§). O termo sublinhado “flash” constitui um exemplo de empréstimo linguístico advindo de outro idioma e incorporado a um contexto de língua portuguesa. A esse processo dá-se o nome de:
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Gabarito: D - Estrangeirismo

Vamos entender por que a alternativa correta é "D - Estrangeirismo". Primeiro, vamos analisar o termo sublinhado no trecho: “Como não confiar na vida, depois desse flash apenas entrevisto, mas tão bonito, tão comovedor, que imediatamente se cristalizou em nós?”. Aqui, a palavra "flash" é um exemplo de empréstimo linguístico, ou seja, uma palavra que foi tomada emprestada de outro idioma e incorporada ao português.

Esse processo de incorporar palavras de outra língua ao nosso vocabulário é denominado estrangeirismo. Portanto, a alternativa correta é Estrangeirismo.

Vamos agora entender por que as outras alternativas estão incorretas:

A - Neologismo: Neologismo é o processo de criação de novas palavras ou expressões na língua, seja por necessidade de nomear novas realidades, objetos ou conceitos. Embora "flash" seja uma palavra nova no contexto do português, não é uma criação interna da língua, mas sim um empréstimo de outra língua, especificamente do inglês.

B - Aglutinação: Aglutinação é um processo de formação de palavras em que dois ou mais termos se fundem, perdendo uma ou mais de suas partes, para formar uma nova palavra. Por exemplo, "planalto" (plano + alto). No caso de "flash", não há fusão de termos.

C - Justaposição: Justaposição também é um processo de formação de palavras, mas, diferente da aglutinação, os termos se unem sem perder suas partes, como em "guarda-chuva". "Flash" não é um exemplo de justaposição, pois não envolve a união de palavras portuguesas distintas.

Em resumo, "flash" é um exemplo de estrangeirismo porque é uma palavra emprestada de outro idioma, o que explica por que a alternativa "D" é a correta.

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Comentários

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Neologismo: Ocorre com a formação de novas palavras, ou com a utilização de palavras existentes com um sentido diferente do original. Em geral, surgem para suprir lacunas acerca de determinado conceito

Ex.: “Ela me deu um bolo” (neologismo semântico – a palavra “bolo” utilizada com sentido diverso)

Aglutinação: Ocorre na junção de radicais

Ex.: PLANALTO (plano + alto) HIDRELÉTRICA (hidro + elétrica) AGUARDENTE (água + aguardente) 

Justaposição: Ocorre quando há a junção de radicais sem nenhuma mudança fonética (de fonemas) em nenhum dos radicais unidos.

Ex.: PONTAPÉ (Ponta + pé) PASSATEMPO (Passa + tempo)

Estrangeirismo ou EMPRÉSTIMOS LINGUÍSTICOS: Ocorre quando palavras de origem estrangeira são utilizadas na língua portuguesa, como se a ela pertencessem. Em geral, o processo ocorre por falta de palavra em português que expresse a ideia na sua completude.

Ex.: PIZZA, SHOW, SPRAY

D

ESTRANGEIRISMO

#TROPA OBA PMMG2024

exemplos de estrangeirismos: design, delivery, fitness, jeans, shopping center, spray, show, notebook, online, marketing e babydoll

NEOLOGISMO:é quando se cria palavras pelas necessidades:EX: CORONA VÍRUS

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