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Ano: 2016
Banca:
FACET Concursos
Órgão:
Prefeitura de Marcação - PB
Prova:
FACET Concursos - 2016 - Prefeitura de Marcação - PB - Assistente Social |
Q1384565
Português
Texto associado
Do Magnum .357 para Harvard
Roland Fryer morava com a avó quando alguns
parentes foram presos e condenados por fabricar e
distribuir crack. Viu o pai estuprar uma mulher e pagou
a sua fiança quando ele foi preso. Aos 15 anos, vendia
maconha e não saía de casa sem seu revólver Magnum
.357. Dos seus dez parentes mais próximos, oito foram
assassinados ou presos.
Por pouco não participou de um assalto no qual
seus amigos foram presos. Assustou-se e decidiu mudar
de vida. Entrou para a Universidade do Texas,
formando-se, em economia, em dois anos e meio.
Doutorou-se em três anos e meio na Universidade da
Pensilvânia. Hoje é professor em Harvard. O homem é
irrequieto e curioso. Com dois economistas da
Universidade de Chicago, criou uma escola, para aplicar
ideias novas que flutuam por aí.
B. Hart e T. Risley pesquisaram longamente
como os bebês aprendem a falar. Amostra, pesquisa de
campo, gravadores e tudo o mais. Grandes surpresas!
Ao chegar aos três anos, uma criança de classe alta
ouviu 30 milhões de palavras a mais do que uma pobre.
Mais ainda, ouviu muitas palavras de encorajamento,
enquanto a pobre ouviu mais frases curtas do tipo “cala
a boca”, “não mexe nisso” ou “fica quieto”. E tem mais,
as mães educadas perguntam e esperam respostas. As
pobres, além de falar pouco com as crianças, apenas
dão ordens, com pouca interação.
Como resultado, o desenvolvimento linguístico
dos dois grupos se distancia. Isso afeta a inteligência e a
capacidade de aprender na escola, já que as crianças
dependem do número de palavras conhecidas e da
competência para emendá-las, umas às outras. Como
disse Wittgenstein, pensamos com palavras, e quem não
as sabe usar corretamente não pode pensar bem.
A professora Dana Suskind foi uma das
precursoras dos implantes cocleares, na Universidade de
Chicago. Essa cirurgia permite que certas crianças
nascidas surdas passem a ouvir. Ao longo de seu
trabalho, ela notou um fato surpreendente. As crianças
submetidas ao procedimento logo ao nascer têm um
desenvolvimento normal da fala. Em contraste, nas que
somente recebem o implante após alguns anos de vida,
a aquisição da fala é morosa ou nula. Ou seja, quem
perdeu o bonde de uma interação linguística precoce
estará prejudicado para o resto da vida escolar. Na idade de mais prodigioso desenvolvimento do cérebro é
que se aprendem as palavras e seus usos.
O terceiro fato que chamou a atenção dos três
economistas foram os estudos de James Heckman que
mostram com números a importância do que hoje se
chama de traços socioemocionais, tais como a
autoconfiança, a persistência e a organização. Sem isso,
nada feito.
Com esses achados em mãos, eles conseguiram
um dinheirinho de uma fundação e criaram uma escola.
Seu raciocínio foi simples: se esses são os eixos do
sucesso, é preciso enfiá-los na escola.
Chama muita atenção no programa a estratégia
de educar os pais para que passem mais tempo
conversando com os filhos, desde muito jovens. Para
que estimulem o diálogo. Para que turbinem sua
autoestima e evitem dizer “não pode”. Para que
promovam os bons traços do socioemocional. Em linha
com experimentos prévios de Fryer, o programa deu
prêmios em dinheiro aos pais para que cumprissem a
terapia prescrita. Educadores costumam ter faniquitos
diante dessa “mercantilização” da paternidade. Mas, na
linha da Educação Baseada em Evidência, é
experimentar para ver se dá certo. A conversa sobre
filosofia fica para depois.
Deu certo? No todo, espetacularmente. O
programa aumenta o rendimento escolar de forma muito
significativa. Com custos baixos, consegue o mesmo que
outros programas caríssimos. Mas deu também uma
zebra. O programa melhora o aprendizado dos pobres
hispânicos e brancos. Em contraste com Vila Sésamo,
não melhora em nada o rendimento dos negros, embora
Roland Fryer seja negro!
Lições? 1. Vivas para um país que consegue
pescar talentos no fundo do tacho. 2. A educação evolui
nas mãos de gente imaginativa e corajosa, que tenta
novas soluções. 3. Mas e os negros? Pesquisa é assim.
Acerta aqui, erra acolá. Deve-se consertar o programa,
mas sempre com experimentos rigorosos, avançando
passo a passo.
Artigo escrito por Cláudio de Moura Castro, publicado na
revista Veja, edição 2468, ano 49 – número 10, de 09
de março de 2016.
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