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Q2749546 Português

A LÍNGUA PRATICADA NAS REDES SOCIAIS *


Carlos Alberto Faraco **


Texto apresentado como anexo do artigo de Cláudia Mendes Campos, “Argumentação com o operador além disso”. In: Revista Língua e Instrumentos Linguísticos, N. 37, jan-jun 2016. Campinas: CNPq; Universidade Estadual de Campinas; Editora RG, 2016. Disponível em: http://www.revistalinguas.com/edicao37/edicao37.html Acesso em 15 nov 2016.


Ouço e leio, sobre a língua praticada nas redes sociais, muitas manifestações cheias de temores e preocupações. É como se a língua estivesse nos seus estertores. Gostaria, então, de lembrar que uma língua, na dinâmica dos usos sociais, se transforma continuamente, passa permanentemente por mudanças, mas não decai, não apodrece, não perde o viço, não se esgarça.

[...] Tenho bem consciência de que não é fácil aceitar esse fato [...] que vai contra o imaginário de senso comum. Nesse imaginário, parece predominar a figura da língua como uma realidade estática e homogênea. A mudança, o novo, o diferente são, em geral, representados como sinal de decadência, de destruição, de morte [...].

São, obviamente, falsos temores. [...] Impedem, não raramente, a observação dos fatos e a argumentação racional. Impedem a percepção de quanto a língua é maleável e plástica, de como os falantes a ajustam e adaptam a todas as condições objetivas de seu uso. E isso vale tanto para o plano da fala, quanto para o plano da escrita.

Não seria demais lembrar, por exemplo, que, na Idade Média, o suporte para o texto escrito era raro. Para adaptar-se a essa raridade, as pessoas que escreviam costumavam abreviar as palavras [...]. Não se pulava linha para começar parágrafo (marcava-se o início de novo parágrafo com um sinal específico). Se hoje temos de aprender a ler (a decifrar) estes textos, seus contemporâneos os liam sem dificuldade, já que abreviar palavras na escrita era prática corrente [...].

Da mesma forma, quando a base tecnológica mudou e se desenvolveu a produção de papel, e a imprensa com tipos móveis foi criada e se difundiu, os falantes se viram frente à necessidade de fixar uma ortografia para as suas línguas. Primeiro, porque havia agora uma relativa abundância de papel e não era mais preciso abreviar para ganhar espaço. Por outro lado, com as novas tecnologias, a circulação de material impresso se ampliou enormemente [...]. Era preciso fixar uma ortografia para que todos os leitores, num vasto espaço geográfico, pudessem ler os textos. [...]

A tecnologia nos deu condição de nos comunicarmos por escrito em tempo real. Ora, isso trouxe de volta a necessidade de se lançar mão de recursos de natureza taquigráfica ou quase taquigráfica para vencer os ritmos diferentes da fala e da escrita. A escrita que se pratica, nestas circunstâncias, não é a mesma que se pratica na comunicação não mediada por computador. Não tem (nem pode ter) as características da escrita tradicional, que se faz à distância e de maneira assíncrona.

[...] E as soluções que vemos circulando na internet revelam um forte senso fonológico dos seus praticantes, com reduções, em geral, facilmente identificáveis e legíveis. [...] Na tradição da escrita, marcas de oralidade no texto são avaliados como um defeito. Ao contrário, na escrita que se pratica nas redes sociais, as marcas da oralidade não constituem um problema porque estamos justamente escrevendo a fala. E isso vale tanto para os aspectos estruturais da composição dos enunciados, quanto para a variedade da língua que aí se utiliza. [...]

Assim, são comuns nos textos dos blogues, das salas de chats e nas redes sociais as orações relativas sem a preposição que ainda se faz obrigatória no português standard escrito; são comuns as regências verbais contemporâneas e não as clássicas; as concordâncias verbais da fala, as características do sistema pronominal falado e assim por diante.

[...] ninguém estará obrigado a abandonar suas preferências expressivas para adotar novos modos de escrever. Me parece que neste debate específico, precisamos aceitar dois fatos: primeiro, há espaço para conservadores e inovadores. E, segundo, nem a uns, nem a outros assiste o direito de impor suas preferências.


* Versão do texto apresentado na mesa-redonda “A língua praticada nas redes sociais e a construção da identidade”, realizada no dia 14 de agosto de 2010 na 21ª Bienal Internacional do Livro. ** Professor Titular (aposentado) de Português e Linguística da Universidade Federal do Paraná. [email protected]

Assinale a única alternativa que contenha uma ideia totalmente correta a partir das informações colhidas no texto.

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