“Em culinária, releitura serve para falar de alguém que ach...
Será que sou bobo?
Walcyr Carrasco
Ando perdido em uma selva de palavras. Existem termos destinados a dar a impressão de que algo não é exatamente o que é. Ou para botar verniz sobre uma atividade banal. Já estão, sim, incorporados no vocabulário. Servem para dar uma impressão enganosa. E também para ajudar as pessoas a parecer inteligentes e chiques porque parecem difíceis. Resolvi desvendar algumas dessas armadilhas verbais.
Seminovo — Já não se fala em carro usado, mas em seminovo. Vendedores adorarn. O termo sugere que o carro não é tão velho assim, mesmo que se trate de uma Brasília sem motor. Ou que o câmbio saia na mão do comprador logo depois da primeira curva. E pura técnica de vendas. Vou guardá- lo para elogiar uma amiga que fez plástica. Talvez ela adore ouvir que está “seminova". Mas talvez...
Sale — É a boa e velha liquidação. As lojas dos shoppings devem achar liquidação muito chula. Anunciam em inglês. Sale quer dizer que o estoque encalhou. A grife está liquidando, sim! Não se envergonhe de pedir mais descontos. Pode ser que não seja chique, mas aproveite.
Loft — Quando o loft surgiu, nos Estados Unidos, era uma moradia instalada em antigos galpões industriais. Sempre enorme e sem paredes divisórias. Vejo anúncios de lofts a torto e a direito. A maioria corresponde a um antigo conjugado. Só não tem paredes, para lembrar seu similar americano. É preciso ser compreensivo. Qualquer um prefere dizer que está morando em um loft a dizer em uma quitinete de luxo.
Cult — Não aguento mais ouvir falar que alguma porcaria é cult. O cult é o brega que ganhou status. O negócio é o seguinte: um bando de intelectuais adora assistir a filmes de terceira, programas de televisão populares e afins. Mas um intelectual não pode revelar que gosta de algo considerado brega. Então diz que é cult. Assim, se pode divertir com bobagens, como qualquer ser humano normal, sem deixar de parecer inteligente. Como conceito, próximo do cult está o trash. E o lixo elogiado. Trash é muito usado para filmes de terror. Um candidato a intelectual jamais confessa que não perde um episódio da série Sexta-Feira 13, por exemplo. Ergue o nariz e diz que é trash. Depois, agarra um saquinho de pipoca, senta na primeira fila e grita a cada vez que o Jason ergue o machado.
Workshop — E uma espécie de curso intensivo. Existem os bons. Mas o termo se presta a muita empulhação. Pois, ao contrário dos cursos, no workshop ninguém tem a obrigação de aprender alguma coisa específica. Basta participar. Muitas vezes botam um sujeito famoso para dar palestras durante dois dias seguidos. Há alunos que chegam a roncar na sala. Depois fazem bonito dizendo que participaram de um workshop com fulano ou beltrano. A palavra é imponente, não é?
Releitura — Ninguém, no meio artístico ou gastronômico, consegue sobreviver sem usar essa palavra. Está em moda. Fala-se em releitura de tudo: de músicas, de receitas, de livros. Em culinária, releitura serve para falar de alguém que achou uma receita antiga e lhe deu um toque pessoal. Críticos culinários e donos de restaurantes badalados adoram falar em cardápios com releitura disso e daquilo. Ora, um cozinheiro não bota seu tempero até na feijoada? Isso é releitura? Então minha avó fazia releitura e não sabia, coitada. O caso fica mais complicado em outras áreas. Fazer uma releitura de uma história não é disfarçar falta de ideia? Claro que existem casos e casos. Mas que releitura serve para disfarçar cópia e plágio, serve. Seria mais honesto dizer “adaptado de..." ou “inspirado em...", como faziam antes.
Daria para escrever um livro inteiro a respeito. Fico arrepiado quando alguém vem com uma conversa abarrotada de termos como esses. Parece que vão me passar a perna. Ou a culpa é minha, e não sou capaz de entender a profundidade da conversa. Nessas horas, fico pensando: será que sou bobo? Ou tem gente esperta demais?
(CARRASCO, Walcyr. In: SILVA, Carmem Lucia da & SILVA, Nilson Joaquim da. (orgs.) Lições de Gramática para quem gosta de Literatura. São Paulo: Panda Books, 2007. p. 77-79.)
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“Em culinária, releitura serve para falar de alguém que achou uma receita antiga e lhe deu um toque pessoal." --> O pronome relativo "que" retoma "alguém"
Oração Subordinada Substantiva Adjetiva RESTRITIVA --> pronome relativo não isolado por vírgulas
Oração Subordinada Substantiva Adjetiva EXPLICATIVA --> pronome relativo isolado por vírgulas
b)oração subordinada adjetiva restritiva.
pronome relativo que + ausência de virgulas = oração subordinada adjetiva restritiva
adjetiva restritiva.
GABARITO: LETRA B
As Orações Subordinadas Adjetivas são aquelas que exercem a função sintática de adjetivo.
Geralmente, são introduzidas por pronomes relativos (que, quem, qual, quanto, onde, cujo, etc.), os quais exercem a função de adjunto adnominal do termo antecedente.
As orações subordinadas adjetivas podem ser explicativas ou restritivas.
Orações Subordinadas Adjetivas Explicativas:
Separadas por vírgulas, as orações subordinadas explicativas, como o próprio nome já indica, explicam melhor ou esclarecem o termo ao qual se referem.
Exemplos:
O exame final, que estava muito difícil, deixou todos apreensivos.
-Oração Principal: O exame final deixou todos apreensivos.
-Oração Subordinada Adjetiva Explicativa: que estava muito difícil.
Orações Subordinadas Adjetivas Restritivas:
Ao contrário das orações explicativas, as orações restritivas restringem ou delimitam o significado de seu antecedente, e não são separadas por vírgulas.
Exemplos:
As pessoas que são racistas merecem ser punidas.
-Oração Principal: As pessoas merecem ser punidas.
-Oração Subordinada Adjetiva Restritiva: que são racistas.
FONTE: WWW.TODAMATÉRIA.COM.BR
A questão quer saber a classificação da oração em destaque em "Em culinária, releitura serve para falar de alguém que achou uma receita antiga". Vejamos:
A oração subordinada substantiva objetiva direta.
Oração subordinada substantiva objetiva direta: funciona como objeto direto do verbo da oração principal.
Esqueminha: VTD + QUE ou SE
Ex.: Eu quero que você passe em um concurso público. (= Eu quero o quê? ISSO)
B oração subordinada adjetiva restritiva.
Oração subordinada adjetiva restritiva: Não é isolada por vírgulas. Restringe o sentido do termo a que se refere.
Ex.: Os celulares que são modernos custam caro. (somente os celulares que são modernos custam caro)
C oração coordenada sindética adversativa.
Oração coordenada sindética adversativa: tem valor semântico de oposição, contraste, adversidade, ressalva ... É ligada às outras por meio das seguintes conjunções: mas, porém, entretanto, todavia, contudo, no entanto, não obstante, inobstante, senão (= mas sim)...
Ex.: Não estudou muito, mas passou nas provas.
D oração subordinada adverbial temporal.
Oração subordinada adverbial temporal: exprime ideia do tempo em que ocorre o fato expresso na oração principal. É introduzida pelas conjunções quando, enquanto, logo que, até que, antes que, depois que, desde que, desde quando, assim que, sempre que...
Ex.: Enquanto todos saíam, eu estudava.
E oração subordinada substantiva apositiva.
Oração subordinada substantiva apositiva: funciona como aposto de um termo da oração principal.
Esqueminha: "DOIS PONTOS" + QUE ou SE
Ex.: Algo me preocupa: que eu não saiba fazer a redação. (Algo me preocupa: ISSO)
Gabarito: Letra B
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