Ninguém conhece a alma humana melhor do que um jogador de pôquer. A sua e a do próximo. Numa mesa
de pôquer o homem chega ao pior e ao melhor de si mesmo, e vai da euforia ao ódio numa rodada. Mas
sempre como se nada estivesse acontecendo. Os americanos falam do poker face, a cara de quem consegue
apostar tendo uma boa carta ou nada na mão com a mesma impassividade, embora a lava esteja
turbilhonando lá dentro. Porque sabe que está rodeado de fingidos, o jogador de pôquer deve tentar
distinguir quem tem jogo de quem não tem e está blefando por um tremor na pálpebra, por um tique na
orelha. Ou ultrapassando a fachada e mergulhando na alma do outro.
Não se trata de adivinhar seu caráter. Não é uma questão de caráter. O blefe é um lance tão legítimo quanto
qualquer outro no pôquer. Os puros são até melhores blefadores, pois só quem não tem culpa pode sustentar
um poker face perfeito sob o escrutínio hostil da mesa. Há quem diga que ganhar com um blefe supera ganhar
com boas cartas e que é no blefe que o pôquer deixa de ser um jogo de azar, e portanto de acaso, e se torna
um jogo de talento. Já fora do pôquer o blefe perde sua respeitabilidade. É apenas sinônimo de engodo.
Geralmente aplicado a pessoas que não eram o que pareciam ou fingiam ser.
(Adaptado de: VERÍSSIMO, Luis Fernando. Às mentiras que os homens contam. São Paulo: Cia das Letras,
2015)
Os puros são até melhores blefadores.
O uso de “até” no trecho acima permite afirmar que