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Q3147040 Português
   A primeira lembrança que tenho da cidade, do Recife, é de um Carnaval. Eu, muito menino, preso em um carro que corria pela praça Maciel Pinheiro desviando dos foliões, ia para o Hospital Português onde meu avó convalescia. Certamente que não foi nessa hora que compreendi, mas nesse momento passei a conviver com uma urbe de contradições, alegrias e tristezas, sonhos e desilusões.

   Vivendo no interior, a cidade me chegava pelo relato dos cronistas, dos escritores. Um deles falava da Estrada dos Remédios cercada por mangueiras. E fui descobrindo os segredos vividos sob os telhados seculares dos sobrados, a miséria oculta pelas folhas dos mangues, pelas paredes precárias dos mocambos, a glória da piedade resvalando nas grossas paredes das Igrejas. Mecanismo vivo e contraditório, Recife tinha, e ainda tem, poesia.

   Sempre que ali desembarcava -e até hoje isso acontece — batia-me a sensação de pertencimento. “Sou do Recife com orgulho e com saudade”, solfejava Antônio Maria em meus ouvidos. Quando, enfim, cheguei para viver na cidade, na Boa Vista, já conhecia a intimidade dos mistérios de suas ruas. Tudo me chegara pela literatura, pelos relatos históricos e ficcionais, mas caminhando por suas vielas e avenidas, atravessando os rios, as pontes, descobri que um mistério nunca se revela plenamente.

   Foi tentando desvendar a esfinge que a cidade do Recife foi transformada em cenário por mim para o romance “Não me empurre para os perdidos". Um escritor estrangeiro, em junho de 1924, percorre as ruas da cidade procurando os sentidos da modernidade que os intelectuais tanto discutem no Café Continental, na esquina da Lafayete. Mesmo depois de todo trabalho, à Recife continua em mim como algo onírico. Sim, ele é coisa de se pegar, é concreto, mas para ser pleno é preciso vivê-lo.



(Adaptado de: MELO JÚNIOR, Maurício. Nexo Jornal. Disponível em: https:/wwnanexojornal.com.br)
Com base no texto, a relação do autor com Recife ao longo do tempo é a de quem
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