Em “Foi um trabalho de amor, poucos amavam tanto Villa-Lobos...
Leia o texto a seguir e responda às questões de nº 01 a 10.
A ARTE DE MORRER
Num artigo publicado na semana passada na Folha de São
Paulo, Ruy Castro narrou as extraordinárias circunstâncias da mor-
te do advogado Henrique Gandelman, um especialista em direitos
autorais que, entre outros feitos, dedicou anos à tarefa de trazer os
5 direitos sobre a obra de Villa-Lobos, desencaminhados mundo afo-
ra, para o espólio do artista. “Foi um trabalho de amor, poucos ama-
vam tanto Villa-Lobos”, escreve Ruy Castro. Gandelman, que estu-
dou música na juventude, era, além de defensor dos direitos, um
profundo conhecedor da obra do grande compositor brasileiro. No
10 dia 24 de setembro, ele ia dar uma palestra no Museu Villa-Lobos,
no Rio de Janeiro, e receber uma homenagem. Enquanto, no ca-
marim, esperava a hora de se apresentar, o sistema de som come-
çou a tocar a Floresta Amazônica. Gandelman, de mãos dadas com
a mulher, comentou: “Fico sempre arrepiado de ouvir isso. O Villa é
15 mesmo o maior”. E mais não disse, nem lhe foi perguntado. Soltou
um suspiro e caiu morto. Aneurisma. Tinha 80 anos.
É o caso de dizer, para cunhar uma expressão nova, que “a
vida imita a arte”.
Ruy Castro chamou a morte de Gandelman de “a morte ideal”.
20 O advogado morreu sob o impacto de uma emoção estética, e não
uma emoção estética qualquer, mas da obra predileta, ou uma das
obras prediletas, do artista predileto. Os santos morrem, ou morri-
am, com antevisões do paraíso. Santa Teresa de Ávila morreu di-
zendo: “Chegou enfim a hora, Senhor, de nos vermos face a face”.
25 São Francisco disse: "Seja bem-vinda, irmã morte”. A morte ideal,
na era dos santos, era acompanhada pelo transe mística. Numa
era laica, de valores racionalistas, como a nossa, a arte substitui 0
misticismo no provimento de uma elevação espiritual compatível
com esse momento grave entre todos que é o momento da morte.
30__O som de Villa-Lobos substitui a citara dos anjos que os místicos
começavam a ouvir na iminência da morte. Mas não é só nisso que a
morte ideal do homem de hoje se diferencia da do antigo. Morte ide-
al, hoje, é a morte repentina, sem dor, sem remédios e sem UTI, De
preferência, tão repentina que poupe até da consciência de que se
35 está morrendo. Os santos morriam tão conscientes da morte que até:
podiam saudar sua chegada. Antes deles, Sócrates morreu despe-
dindo-se dos amigos e filosofando sobre a morte. Para os gregos,
era a morte ideal. Em nosso tempo, um valor altamente apreciado é
a morte que nos poupe da angústia, ou do susto, ou do pânico, de
40 saber que se está morrendo. É uma espécie de ludíbrio que aplicamos
na morte. O.k., você chegou. Mas nem nos demos conta disso.
A visita foi humilhada por um anfitrião que nem olhou para a sua cara,
(Roberto Pompeu de Toledo, Revista Veja, 7 de outubro de 2009, com adaptações)
Em “Foi um trabalho de amor, poucos amavam tanto Villa-Lobos” (l. 6/7), se estabelece entre as duas orações relação semântica de: