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Português
COMEÇO DE CONVERSA
1º Só quem é ou foi automóvel pode imaginar o meu desespero, depois daquela batida brutal e do ajuntamento de povo ao meu redor. Alguém chegou e reconheceu o motorista. 2º — E o Genésio, aquele doido! 3º Que era doido eu sabia. Nunca respeitava os sinais, guiava sempre em alta velocidade, parecia estar sempre numa pista de corrida, como se não desse a menor importância à vida alheia. Que ele desafiasse a morte a todo momento, o problema era dele. Todo cidadão pode ser burro à vontade. E direito de quem nasceu não para viver em garagem, mas em estrebaria. Mas ninguém tem o direito de jogar com a vida alheia, cortando fininhos, apavorando os pedestres, tendo gosto em ver o povo da gente a fugir. E muito menos de maltratar um carro como ele fazia. Genésio nunca se preocupou comigo. Era incapaz de supor que eu também era gente. Não lhe passava pela cabeça que havia dois ou três meses que eu vivia de coração aos saltos (Fusca tem coração, tem alma, sentimento...). 4º O mais triste, porém, daquele montão de ferros retorcidos em que eu fora transformado pela estupidez do meu senhor, é que toda gente só pensava nas vítimas humanas: em Genésio e Cidinha. 5º — Será que eles escapam? 6º Em mim ninguém pensava. Não ouvi uma palavra de simpatia. Ninguém parecia ter pena de mim. Nem mesmo os outros carros. Eu olhava agoniado para os colegas. Passou um Fusca novinho que, nem por ser parente, mostrou a menor _______________.Passavam carros e mais carros ________________para abrir caminho. Nem sequer me olhavam. Todo mundo parecia achar natural que eu me ________________daquele modo contra um poste estúpido, que aliás não tinha culpa nenhuma no desastre — e que aguentou como um herói o duro choque. 7º Aliás, se não fosse aquele poste, se ele não houvesse resistido como um bravo ao nosso impacto (íamos a mais de 120!), teríamos apanhado três crianças que brincavam na calçada. E imaginem só o remorso do papai, com aquele peso na consciência... Morrer é duro. Acabar no ferro velho é o mais triste fim de um automóvel, seja Impala, Opala ou Fusca. Eu tenho conversado com muito carro, nesta minha vida atribulada. Fui amigo (e sou) de muito carro de classe, de muito VW, de muito ônibus, até de muito caminhão. Eu sei o que eles pensam, o terror que sentem quando vêem povo pela frente, criança ou grandalhão, facilitado. Sei de muita conversa em escuro de garagem, lembrando as agonias do trânsito. E sei como alguns sofrem, recordando o mal que involuntariamente praticaram, As vezes por imprudência dos pedestres, muitas vezes pela inconsciência dos motoristas. 8º Enquanto nós dependermos do homem (ou da mulher) para cumprir a nossa missão no trânsito, não haverá carro feliz neste mundo. LESSA, Orígenes Memórias de um Fusca. 6. ed. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1972, p. 13-16.
No terceiro parágrafo, os parênteses foram empregados para:
1º Só quem é ou foi automóvel pode imaginar o meu desespero, depois daquela batida brutal e do ajuntamento de povo ao meu redor. Alguém chegou e reconheceu o motorista. 2º — E o Genésio, aquele doido! 3º Que era doido eu sabia. Nunca respeitava os sinais, guiava sempre em alta velocidade, parecia estar sempre numa pista de corrida, como se não desse a menor importância à vida alheia. Que ele desafiasse a morte a todo momento, o problema era dele. Todo cidadão pode ser burro à vontade. E direito de quem nasceu não para viver em garagem, mas em estrebaria. Mas ninguém tem o direito de jogar com a vida alheia, cortando fininhos, apavorando os pedestres, tendo gosto em ver o povo da gente a fugir. E muito menos de maltratar um carro como ele fazia. Genésio nunca se preocupou comigo. Era incapaz de supor que eu também era gente. Não lhe passava pela cabeça que havia dois ou três meses que eu vivia de coração aos saltos (Fusca tem coração, tem alma, sentimento...). 4º O mais triste, porém, daquele montão de ferros retorcidos em que eu fora transformado pela estupidez do meu senhor, é que toda gente só pensava nas vítimas humanas: em Genésio e Cidinha. 5º — Será que eles escapam? 6º Em mim ninguém pensava. Não ouvi uma palavra de simpatia. Ninguém parecia ter pena de mim. Nem mesmo os outros carros. Eu olhava agoniado para os colegas. Passou um Fusca novinho que, nem por ser parente, mostrou a menor _______________.Passavam carros e mais carros ________________para abrir caminho. Nem sequer me olhavam. Todo mundo parecia achar natural que eu me ________________daquele modo contra um poste estúpido, que aliás não tinha culpa nenhuma no desastre — e que aguentou como um herói o duro choque. 7º Aliás, se não fosse aquele poste, se ele não houvesse resistido como um bravo ao nosso impacto (íamos a mais de 120!), teríamos apanhado três crianças que brincavam na calçada. E imaginem só o remorso do papai, com aquele peso na consciência... Morrer é duro. Acabar no ferro velho é o mais triste fim de um automóvel, seja Impala, Opala ou Fusca. Eu tenho conversado com muito carro, nesta minha vida atribulada. Fui amigo (e sou) de muito carro de classe, de muito VW, de muito ônibus, até de muito caminhão. Eu sei o que eles pensam, o terror que sentem quando vêem povo pela frente, criança ou grandalhão, facilitado. Sei de muita conversa em escuro de garagem, lembrando as agonias do trânsito. E sei como alguns sofrem, recordando o mal que involuntariamente praticaram, As vezes por imprudência dos pedestres, muitas vezes pela inconsciência dos motoristas. 8º Enquanto nós dependermos do homem (ou da mulher) para cumprir a nossa missão no trânsito, não haverá carro feliz neste mundo. LESSA, Orígenes Memórias de um Fusca. 6. ed. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1972, p. 13-16.
No terceiro parágrafo, os parênteses foram empregados para: