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Grau de felicidade de povos tradicionais empata com países ricos


Pois é, dinheiro realmente não traz felicidade: encomenda online e manda entregar em casa. Que atire primeira pedra quem nunca usou uma tirada cínica a como essa quando a relação entre boa condição financeira e satisfação pessoal vem à baila. Piadas à parte, porém, parece que a conclusão verdadeira a se tirar sobre esse eterno dilema é "depende": em alguns contextos sociais, as pessoas podem se considerar um bocado felizes sem um centavo na carteira.

Essa é a principal lição de um estudo tremendamente simples, mas ainda assim intrigante, publicado há pouco tempo na PNAS, o periódico da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Liderado por Victoria Reyes-García, do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona, o trabalho partiu de um dado aparentemente banal: as pesquisas sobre o nível (autodeclarado) de felicidade das pessoas em diversos países, que volta e meia ganham as manchetes de jornais como esta Folha e logo são esquecidas.

Numa primeira olhada, esse tipo de pesquisa parece confirmar a atitude cínica segundo a qual o melhor é encomendar felicidade em site de compras. De fato, pessoas que moram em países com renda per capita média mais alta tendem a se declarar mais satisfeitas com a vida do que as moradoras de países pobres.

Parece haver inclusive limiares numéricos nisso. Por exemplo, só em países com renda per capita anual acima de US$ 40 mil a "nota" média de satisfação com a vida é superior a 7 (numa escala de 0 a 10). E, nos lugares onde essa renda está abaixo de US$ 4.500, não há nenhuma nota média acima de 5,5.

Até agora, zero surpresa, infelizmente. Mas a sacada de Reyes-García e seus colegas foi fazer a mesma pesquisa em comunidades tradicionais do mundo inteiro. Ou seja, eles fizeram a pergunta padronizada − "Considerando todos os aspectos da sua vida, o quanto você se considera satisfeito numa escala de 0 a 10?" − para nômades tuaregues da Argélia, ribeirinhos brasileiros do rio Juruá e pescadores das ilhas Fiji, na Oceania, entre outros. No total, foram 19 comunidades desse tipo, cujos membros têm renda "monetária" (baseada em dinheiro oficial) inexistente, ou quase.

Resultado? Embora haja uma variação grande nas respostas (o que é esperado, dadas as grandes diferenças em quase todos os demais fatores de um lugar para o outro), o "nível médio de felicidade" das populações tradicionais é de 6,8. O que significa que ele supera o de países ricos como Itália, Japão e Espanha, além de empatar com o da Bélgica e do Reino Unido (o do Brasil é 6,1). E quatro dos locais têm níveis altíssimos de satisfação com a vida, superiores a 8 acima até dos − países escandinavos, considerados os campeões de felicidade do século 21.

É claro que muitos fatores podem explicar esse resultado. Outro detalhe importante que tem emergido nas pesquisas sobre satisfação com a própria vida é o elemento comparativo. Ou seja, as pessoas tendem a enxergar sua colocação no "pódio da felicidade" se comparando com quem está à sua volta.

Assim, num círculo social relativamente pequeno e igualitário, mesmo que com poucos recursos em termos absolutos, a tendência é olhar em volta e pensar "é, até que não estou tão mal". Em sociedades industrializadas, por outro lado, um nível material mais alto seria necessário para compensar a óbvia presença de gente muito mais rica do que você.

Mas é bem possível que essa não seja a única explicação. Entrevistas mais detalhadas com grupos tradicionais tendem a revelar que a satisfação está bastante ligada a fatores como a intensidade das relações sociais com quem está próximo, a sensação de harmonia trazida por esses laços e também o contato com a natureza.

Há, em suma, muito mais de uma maneira de se sentir um ser humano contente com a vida. Ainda que não seja viável simplesmente copiar a experiência das comunidades tradicionais nas metrópoles globais, aprender com elas pode muito bem ser vital para o nosso futuro.


Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/. Acesso em: 24 fev. 2024.
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