Nos trechos “Os guardas vermelhos da Revolução Cultural dev...
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Ano: 2017
Banca:
INSTITUTO AOCP
Órgão:
EBSERH
Provas:
INSTITUTO AOCP - 2017 - EBSERH - Analista Administrativo - Administração (HUJB – UFCG)
|
INSTITUTO AOCP - 2017 - EBSERH - Advogado (HUJB – UFCG) |
Q778745
Português
Texto associado
A BELEZA E A ARTE NÃO CONSTITUEM
NENHUMA GARANTIA MORAL
Contardo Calligaris
Gostei muito de “Francofonia”, de Aleksandr
Sokurov. Um jeito de resumir o filme é este: nossa
civilização é um navio cargueiro avançando num
mar hostil, levando contêineres repletos dos
objetos expostos nos grandes museus do mundo.
Será que o esplendor do passado facilita nossa
navegação pela tempestade de cada dia? Será que,
carregados de tantas coisas que nos parecem belas,
seremos capazes de produzir menos feiura? Ou,
ao contrário, os restos do passado tornam nosso
navio menos estável, de forma que se precisará
jogar algo ao mar para evitar o naufrágio?
Essa discussão já aconteceu. Na França de
1792, em plena Revolução, a Assembleia emitiu
um decreto pelo qual não era admissível expor o
povo francês à visão de “monumentos elevados
ao orgulho, ao preconceito e à tirania” – melhor
seria destruí-los. Nascia assim o dito vandalismo
revolucionário – que continua.
Os guardas vermelhos da Revolução Cultural
devastaram os monumentos históricos da China.
O Talibã destruiu os Budas de Bamiyan (séculos 4
e 5). Em Palmira, Síria, o Estado Islâmico destruiu
os restos do templo de Bel (de quase 2.000 anos
atrás). A ideia é a seguinte: se preservarmos os
monumentos das antigas ideias, nunca teremos a
força de nos inventarmos de maneira radicalmente
livre.
Na mesma Assembleia francesa de 1792,
também surgiu a ideia de que não era preciso
destruir as obras, elas podiam ser conservadas
como patrimônio “artístico” ou “cultural” – ou seja,
esquecendo sua significação religiosa, política e
ideológica.
Sentado no escuro do cinema, penso que
nós não somos o navio, somos os contêineres
que ele carrega: um emaranhado de esperanças,
saberes, intuições, dúvidas, lamentos, heranças,
obrigações e gostos. Tudo dito belamente: talvez
o belo artístico surja quando alguém consegue
sintetizar a nossa complexidade num enigma,
como o sorriso de “Mona Lisa”.
Os vândalos dirão que a arte não tem o poder
de redimir ou apagar a ignomínia moral. Eles têm
razão: a estátua de um deus sanguinário pode
ser bela sem ser verdadeira nem boa. Será que é
possível apreciá-la sem riscos morais?
Não sei bem o que é o belo e o que é arte. Mas,
certamente, nenhum dos dois garante nada.
Por exemplo, gosto muito de um quadro
de Arnold Böcklin, “A Ilha dos Mortos”, obra
imensamente popular entre o século 19 e 20, que
me evoca o cemitério de Veneza, que é, justamente,
uma ilha, San Michele. Agora, Hitler tinha, em sua
coleção particular, a terceira versão de “A Ilha
dos Mortos”, a melhor entre as cinco que Böcklin
pintou. Essa proximidade com Hitler só não me
atormenta porque “A Ilha dos Mortos” era também
um dos quadros preferidos de Freud (que chegou
a sonhar com ele).
Outro exemplo: Hitler pintava, sobretudo
aquarelas, que retratam edifícios austeros e
solitários, e que não são ruins; talvez comprasse
uma, se me fosse oferecida por um jovem artista
pelas ruas de Viena. Para mim, as aquarelas de
Hitler são melhores do que as de Churchill. Pela pior
razão: há, nelas, uma espécie de pressentimento
trágico de que o mundo se dirigia para um banho
de sangue.
É uma pena a arte não ser um critério moral.
Seria fácil se as pessoas que desprezamos
tivessem gostos estéticos opostos aos nossos.
Mas, nada feito.
Os nazistas queimavam a “arte degenerada”, mas
só da boca para fora. Na privacidade de suas casas,
eles penduraram milhares de obras “degeneradas”
que tinham pretensamente destruído. Em
Auschwitz, nas festinhas clandestinas só para
SS, os nazistas pediam que a banda dos presos
tocasse suingue e jazz – oficialmente proibidos.
Para Sokurov, o museu dos museus é o Louvre.
Para mim, sempre foi a Accademia, em Veneza.
A cada vez que volto para lá, desde a infância,
medito na frente de três quadros, um dos quais
é “A Tempestade”, do Giorgione. Com o tempo,
o maior enigma do quadro se tornou, para mim, a
paisagem de fundo, deserta e inquietante. Pintado
em 1508, “A Tempestade” inaugura dois séculos
que produziram mais beleza do que qualquer outro
período de nossa história. Mas aquele fundo, mais
tétrico que uma aquarela de Hitler, lembra-me que
os dois séculos da beleza também foram um triunfo
de guerra, peste e morte – Europa afora.
É isto mesmo: infelizmente, a arte não salva.
Texto adaptado de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2016/08/1806530-a-beleza-e-a-arte-nao-constituem-nenhuma-garantia-moral.shtml
Nos trechos “Os guardas vermelhos
da Revolução Cultural devastaram os
monumentos históricos da China.”, “Sentado
no escuro do cinema, penso que nós não
somos o navio, somos os contêineres que
ele carrega [...]” e “Será que, carregados
de tantas coisas que nos parecem belas,
seremos capazes de produzir menos feiura?”,
em relação às palavras em destaque, é
correto afirmar que