Segundo Maria da Garça Costa Val, “textualidade é a caracter...
Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Ano: 2024
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ
Provas:
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ - Professor III
|
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ - Professor II - Atendimento Educacional Especial - AEE |
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ - Professor II - Libras |
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ - Professor II - Braile |
Q2490144
Português
Texto associado
Na escuridão miserável
Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
– O que foi, minha filha? – perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.
– Nada não senhor – respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
– O que é que você está me olhando aí?
– Nada não senhor – repetiu.– Tou esperando o ônibus...
– Onde é que você mora?
– Na Praia do Pinto.
– Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
– Entra aí, que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:
– Como é o seu nome?
– Teresa.
– Quantos anos você tem, Teresa?
– Dez.
– E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
– A casa da minha patroa é ali.
– Patroa? Que patroa?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
– Hoje saí mais cedo. Foi jantarado.
– Você já jantou?
– Não. Eu almocei.
– Você não almoça todo dia?
– Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.
– E quando não tem?
– Quando não tem, não tem – e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês:
– Mas não te dão comida lá? – perguntei, revoltado.
– Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse pra eu não pedir.
– E quanto é que você ganha?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro. Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.
– Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? – perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
– Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, obrigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.
(SABINO, Fernando. A Companheira de Viagem. Rio de Janeiro. Sabiá, 1972.)
Na escuridão miserável
Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
– O que foi, minha filha? – perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.
– Nada não senhor – respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
– O que é que você está me olhando aí?
– Nada não senhor – repetiu.– Tou esperando o ônibus...
– Onde é que você mora?
– Na Praia do Pinto.
– Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
– Entra aí, que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:
– Como é o seu nome?
– Teresa.
– Quantos anos você tem, Teresa?
– Dez.
– E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
– A casa da minha patroa é ali.
– Patroa? Que patroa?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
– Hoje saí mais cedo. Foi jantarado.
– Você já jantou?
– Não. Eu almocei.
– Você não almoça todo dia?
– Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.
– E quando não tem?
– Quando não tem, não tem – e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês:
– Mas não te dão comida lá? – perguntei, revoltado.
– Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse pra eu não pedir.
– E quanto é que você ganha?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro. Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.
– Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? – perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
– Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, obrigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.
(SABINO, Fernando. A Companheira de Viagem. Rio de Janeiro. Sabiá, 1972.)
Segundo Maria da Garça Costa Val, “textualidade é a característica fundamental dos textos, orais ou escritos, que faz com
que eles sejam percebidos como textos. Não é inerente a eles, pois uma mesma sequência linguística, falada ou escrita, pode
ser considerada como texto legítimo por uns e parecer um absurdo, sem sentido, para outros”. Em relação ao texto, é
improvável inferir que o cronista: