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É hora de recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual
Admitir que o pensamento marxista continha acertos e erros não significa ter aderido ao capitalismo e se
tornado de direita. Adotar semelhante atitude é persistir no que havia de pior no marxismo, ou seja, na
incapacidade de exercer a autocrítica.
Depois de quase um século da revolução comunista de 1917, da qual resultou o Estado soviético, a
humanidade avançou econômica e tecnicamente, ao mesmo tempo que sofreu guerras sangrentas e massacres,
como os campos de concentração nazistas e os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki. Depois de tantos
erros, é hora de refletirmos sobre o que aconteceu e recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual.
O sonho de Karl Marx era criar uma sociedade sem exploração, regida por normas que visavam impedir
a divisão desigual da riqueza produzida. A concepção dele sobre essa nova sociedade apoiava-se, no entanto,
num entendimento equivocado de como se cria a riqueza social. Esse entendimento partia de uma constatação
inequívoca do grau de exploração a que o capitalismo do século 19 submetia o trabalhador, que não gozava dos
mínimos direitos, como a jornada de trabalho estabelecida e a aposentadoria, entre muitos outros. Esse
capitalismo selvagem levou Marx a concluir que só havia um modo de criar uma sociedade justa: excluindo dela
o capitalista. Assim, constituiria-se um Estado proletário, dirigido pelo partido comunista, justo porque dele
estava excluído o capitalista explorador.
Essa teoria pressupunha que é a classe operária quem produz a riqueza, enquanto o capitalista nada mais
faz que explorar o trabalho alheio e enriquecer. O equívoco de Marx estava em ignorar que, sem o capitalista, ou
seja, sem o empreendedor, a produção da riqueza é quase inviável. É que ela depende tanto do trabalhador quanto
do empreendedor, o empresário.
Por estar exclusivamente nas mãos do Estado, isto é, do partido comunista, a tarefa de produzir a riqueza
foi o erro que levou ao fracasso do regime comunista. Na verdade, em qualquer sociedade, há milhões de pessoas
que sonham criar sua própria empresa. Substituí-las por meia dúzia de burocratas do partido é condenar o país ao
fracasso econômico. Não é à toa que, hoje, da Rússia à China, como nos demais países outrora comunistas, todos
abandonaram a concepção marxista e voltaram a estimular a expansão da iniciativa privada. Ou seja, voltaram ao
regime capitalista. Isso não significa, porém, que o capitalismo de repente tornou-se bom e justo e que devemos
nos contentar com a desigualdade que o caracteriza. Essa desigualdade é inerente ao próprio sistema, regido pelo
princípio do lucro máximo.
Pois bem, esse longo caminho, que a humanidade percorreu no último século, mostrou que o Estado
comunista nivela a igualdade por baixo, enquanto no regime capitalista, mesmo com as conquistas alcançadas
pela classe operária e os trabalhadores em geral, a exploração se agrava e a desigualdade se amplia, de que é
exemplo o capitalismo norte-americano. Isso, porém, não é inevitável. Em países capitalistas como a Suécia, a
Noruega e mesmo a Suíça - para ficar apenas nesses exemplos - a desigualdade foi consideravelmente reduzida.
Não há porque, logicamente, o mesmo não possa ocorrer nos demais países capitalistas. É evidente que isso
depende de uma série de fatores e condições, que não se encontram em todos os países. Tampouco acredito numa
sociedade em que a igualdade seja plena - em que todas as pessoas tenham a mesma possibilidade de ganho e
acumulação de bens -, uma vez que os seres humanos não são iguais, não têm todos a mesma capacidade de
criação, inventividade e realização.
Por isso mesmo, não se pode imaginar que todas elas contribuam na mesma proporção para o
enriquecimento da sociedade. Tampouco tais diferenças entre os indivíduos justifica o nível de desigualdade que,
com raras exceções, caracteriza o mundo em que vivemos.
Essas são as razões que me fazem acreditar que, sem faca nos dentes e dentro do regime democrático,
podemos alcançar uma sociedade menos desigual e menos injusta.
(GULLAR, Ferreira. Disponível em www.academia.org.br/artigos/e-hora-de-recuperarmos-utopia-da-sociedadefraterna-e-menos-desigual. Acesso em 17/11/2017)
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