O último ano de John Lennon
John morreu há 40 anos e estaria completando 80 neste mês.
Embarque aqui numa viagem pelos últimos 12 meses de vida
do beatle, quando a velha rivalidade com Paul renasceu, e lhe
deu energia para compor o último capítulo de sua obra.
Texto: Alexandre Carvalho
“Você sabe quem sou eu?”, perguntou o cliente
embriagado à garçonete da casa de shows Troubadour, em Los
Angeles. “Você é só um babaca com um absorvente enrolado
na cabeça”, respondeu a atendente, já cansada das grosserias
naquela mesa. O ano era 1974, e, de fato, John Lennon tinha
achado uma boa ideia sair à noite com um absorvente menstrual
na testa. Em outra ocasião, novamente bebaço, o beatle seria
expulso da mesma casa por trocar socos com o empresário de
uma banda que tentava se apresentar em meio aos gritos e
palavrões de Lennon. Foram 18 meses de esbórnia na costa
oeste dos Estados Unidos, uma fase que mais tarde o músico
chamaria de lost weekend – “fim de semana perdido”, uma
referência ao nome original do filme Farrapo Humano (1945),
que conta a tragédia de um alcoólatra. John havia sido chutado
no ano anterior por Yoko Ono, que não aguentava mais as
infidelidades do marido. Pela primeira vez, se via na condição
de solteiro milionário mais famoso do mundo. Então se juntou
a uma gangue de bebuns, da qual faziam parte o também beatle
Ringo Starr, o baterista Keith Moon, do The Who, e o músico
Harry Nilsson – uma turma que o cantor Alice Cooper chamava
de The Hollywood Vampires DrinkingClub.
A farra durou até 1975, quando Yoko chamou Lennon
de volta para casa, e ele topou na mesma hora. A reconciliação
seria o fato mais marcante da vida de John naquele ano se não
houvesse outro ainda mais transformador: a gravidez de Yoko,
que daria à luz o único filho do casal, Sean – nascido
exatamente no aniversário do pai, 9 de outubro.
À época, John já tinha um herdeiro, o pré-adolescente
Julian, de seu primeiro casamento, com Cynthia Powell. E
Lennon tinha consciência de que sempre fora um pai ausente
para seu primogênito. “Hey Jude”, a canção que Paul
McCartney compôs para consolar Julian do divórcio dos pais,
sempre o lembraria disso. Então, ainda na ressaca moral de seu
lost weekend, Lennon decidiu que com Sean seria diferente. E
mudou completamente de vida, tornando-se um recluso no
apartamento 72 do Edifício Dakota, em Nova York, onde John
e Yoko decidiram se estabelecer ainda no início daquela
década. A partir do nascimento de seu caçula, o beatle mais
rebelde e antissistema deixaria a vida pública para se dedicar à
família. Pelo menos até o epílogo de sua história, meia década
depois, em 1980. E é para esse ano, o último da vida de John,
que vamos agora.
Quarentenado
Minha “lareira eletrônica”. Era como John Lennon
chamava seu aparelho de TV, de tanto que ficava ligado, sem
som, sintonizado em novelas. Naquele início de 1980, no ano
em que se tornaria quarentão, o músico passava a maior parte
do dia sentado de pernas cruzadas em sua cama, lendo o que lhe
caísse na mão. Tinha um apetite eclético para revistas e jornais,
que ia de publicações de fofoca a conteúdos mais densos, como
Scientific American e The Economist. Via tudo dando goles em
até 30 xícaras de chá e café por dia, em meio a cinzeiros com
baganas de Gitanes sem filtro. Essa rotina caseira permitia
caminhadas pelo Central Park, bem à frente do seu prédio, e
levar o filho pequeno para a natação. Mas de resto Lennon preferia se esconder em seu apartamento. As visitas-surpresa do
ex-parceiro Paul, que aparecia do nada com um violão quando
de passagem por Nova York, tinham parado desde que John
insistiu que ele telefonasse antes de ir, lembrando que não
estavam mais nos anos 1950, quando eram adolescentes que
não se desgrudavam. “Não falei por mal”, explicaria Lennon.
“Só quis dizer que estava tomando conta de um bebê o dia
inteiro, e não dava para ter um cara batendo na minha porta.”