O texto permite afirmar, corretamente, que
humano. Quando se trata de entendê-lo por meio de
explicações racionais, é tão incompreensível quanto sua gêmea
maligna, a brutalidade.
Os psicopatas são mais transparentes do que os heróis.
Pelo menos já descobrimos o que os torna perigosos: sua
incapacidade de sentir qualquer empatia pelos outros. Já o
heroísmo extremo é de difícil explicação científica. Trata-se de
um impulso ilógico que desafia a biologia, a psicologia e o bom
senso. Charles Darwin tinha dificuldades em explicar a ideia de
se expor para salvar a vida de um estranho. "Aquele disposto a
sacrificar a sua vida, como muitos selvagens o fazem, em vez
de trair seus companheiros, frequentemente não deixa
descendentes para herdar sua nobre natureza", observou ele,
que consequentemente não conseguia encaixar o heroísmo na
teoria da sobrevivência do mais forte.
Morrer pelos próprios filhos? Perfeitamente lógico. De
acordo com Darwin, nossa única razão de existir é passar
nossos genes para a próxima geração. Mas, e morrer pelos
outros? Contraproducente. Afinal, não importa quantos heróis
fossem gerados, bastaria uma besta egoísta atleticamente
sexual para minar toda a linhagem heroica. Os filhos dos
egoístas se multiplicariam, enquanto os filhos dos super-heróis
que seguissem o exemplo do superpai se sacrificariam até à
extinção. Não é difícil de entender por que o comportamento
heroico é raro.
Então, se todas as forças evolutivas e consequências
desvantajosas conspiram contra o heroísmo, por que tal comportamento
existe? Segundo o biólogo Lee Dugatkin, o heroísmo,
uma forma de altruísmo, provavelmente data da época em
que vivíamos em tribos nômades, onde as pessoas tinham entre
si alguma conexão familiar. Ao praticar um ato heroico, elas
estariam salvando uma parte de seu material genético.
Estamos cercados de situações que banalizam o mal.
Segundo Hannah Arendt, teórica política alemã, a brutalidade é
disseminada. Gostamos de pensar que a linha entre o bem e o
mal é impermeável, que as pessoas que cometem atrocidades
estão no lado mau, nós no lado bom, e que jamais cruzaremos
a fronteira. Para banalizar o bem, entretanto, precisamos
construir circunstâncias contrárias àquelas que insidiosamente
nos corrompem: uma sociedade detentora de sistemas que
permitam a contestação, a crítica e a verdade. Quem sabe
assim não precisaremos de super-heróis para garantir direitos
básicos de cidadania.
(Andrea Kauffmann Zeh, O Estado de S. Paulo, Aliás, J7, 21 de
junho de 2009, com adaptações)
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O segundo desses momentos deixa mais clara ainda a idéia de proximidade. Está contido no último parágrafo, quando o autor insere no texto pensamentos da filósofa Hannah Arendt: "Gostamos de pensar que a linha entre o bem e o mal é impermeável, que as pessoas que cometem atrocidades estão no lado mau, nós no lado bom, e que jamais cruzaremos a fronteira".
A filósofa afirma que a brutalidade é disseminada (ou seja, espalha-se por todos os lugares), enquanto nós "gostamos de pensar" (e nessas simples palavras ela deixa implícita a idéia que "gostar de pensar" não significa entender a realidade) que há um certo maniqueísmo em tudo, ou seja, há sempre uma luta "bem versus mal". Quando a filósofa fala essas palavras, deixa implícita a idéia de que, ao contrário do que pensamos, qualquer um de nós, por mais que sejamos (ou nos consideremos) pessoas "boas", é passível de romper a tênue linha que separa bem e mal e, em um segundo, transformarmo-nos em monstros.
Portanto, ainda que não seja dito explicitamente, nesses dois momentos permite-se captar a idéia de que bem e mal são figuras muito próximas, por vezes divididas apenas por um simples momento, um rompante, uma atitude impulsiva e impensada, como em geral acontece muito na "vida real". Fulano sempre foi uma pessoa exemplar, mas em um segundo, numa briga de trânsito, transforma-se em um monstro e mata alguém. Vemos isso acontecer com relativa frequência.
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