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Q2633049 Português

Caso de divórcio (I)


O divórcio é necessário. Todos conhecem dezenas de casos que convenceriam até um arcebispo. Eu mesmo conheço meia dúzia. Vou contar uns três ou quatro. O nome dele é Morgadinho. Baixo, retaco, careca precoce. Você conhece o tipo. No carnaval se fantasia de legionário romano e no futebol de praia dá pau que não é fácil. Frequenta o clube e foi lá que conheceu sua mulher, mais alta do que ele, morena, linda, as unhas do pé pintadas de roxo. Na noite de núpcias, ele lhe declarou.

― Se você algum dia me enganar, eu te esgoelo.

― Ora, Morgadinho…

Ela se chama Fátima Araci. Ou é Mara Sirlei? Não, Fátima Araci. Não é que ela não goste do Morgadinho, é que nunca prestou muita atenção no marido. Na cerimônia do casamento já dava para notar. O olhar dela passava dois centímetros acima da careca do Morgadinho. Ela estava maravilhada com o próprio casamento e o Morgadinho era um simples acessório daquele dia inesquecível. Como um castiçal ou um coroinha. No álbum de fotografias do casamento que ela guardou junto com a grinalda, há esta constatação terrível: o Morgadinho não aparece. Aparece o coroinha mas não aparece o Morgadinho. Um ou dois meses depois do casamento, o Morgadinho sugeriu que ela lhe desse um apelido. Um nome secreto, carinhoso, para ser usado na intimidade, algo que os unisse ainda mais, sei lá. Ela prometeu que ia pensar no assunto. O Morgadinho insistiu.

― Eu te chamo de Fafá e você me chama de qualquer coisa.

― Vamos ver.

Uma semana depois, Morgadinho voltou ao assunto.

― Já pensaste num apelido para mim, Fafá?

― Ainda não.

Três semanas depois, ele mesmo deu um palpite.

― Quem sabe Momo?

― Não.

― Gagá? Fofura? ― Tomou coragem e, rindo meio sem jeito, arriscou:

― Tigre?

Ela nem riu. Pediu que ele tivesse paciência. Estava lendo o Sétimo Céu. Tinha tempo. O Morgadinho não desistiu. Às vezes, chegava em casa com uma novidade.

― Que tal este: “Barrilzinho”?

― Não gosto.

Outra vez, os dois estavam passando por um quintal e ouviram uma criança chamando um cachorro.

― Pitoco. Vem, Pitoco.

Morgadinho virou-se para a mulher, cheio de esperança, mas ela fez que não com a cabeça. Finalmente (passava um ano do casamento e nada de apelido), Morgadinho perdeu a paciência. Estavam os dois na cama. Ela pintava as unhas do pé.

― Você não me ama.

― Ora, Morgadinho…

― Até hoje não pensou num apelido para mim.

― Está bem, sabe o que tu és? Um xaropão. Taí teu apelido. Xaropão.

O Morgadinho já tinha enfrentado várias levas de policiais a tapa. Uma vez desmontara um bar depois de um mal-entendido e saíra para a rua dando cadeiradas em meio mundo. Homens, mulheres e crianças. Mas naquela noite virou-se para o lado e chorou no travesseiro. Aí a mulher, com cuidado para não estragar o esmalte, chegou perto do seu ouvido e disse, rindo:

― Xaropãozinho… ― Rindo. Rindo!


Luís Fernando Verissimo. Ed Mort – todas as histórias. 1ª Ed. São Paulo: Objetiva, 2011.


No texto Caso de divórcio (I), o humor é desencadeado por uma situação em que não há reciprocidade aparente entre um casal, em relação ao uso de apelidos carinhosos. Depois de diversas cobranças, a esposa dá o apelido ao marido de ‘Xaropão’. No entanto, há uma quebra de expectativa quando:

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