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Q623521 Português
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INFELIZ É QUEM ESPERA PELA FELICIDADE 

   Falar de felicidade é talvez trazer um tema polêmico e até contraditório. Todo mundo quer ser feliz, mas poucos acreditam numa vida feliz. Felicidade tornou-se um assunto desgastado. Há muito esse assunto fincou pé nos discursos religioso, científico e midiático e em nenhuma dessas alternativas se encontrou o caminho para alcançá-la. Então a felicidade passou a ser encarada como um ideal a ser atingido, mas como ideal também se diz que ela é impossível e, assim, resta a frustração. Como se pode desejar tanto uma coisa e ao mesmo tempo se descrer da possibilidade de ela tornar-se real? 

     As religiões – de modo mais específico, o cristianismo – compreendem a felicidade como uma dádiva. E exemplifica: é possível ser feliz dentro de uma igreja em partilha com outros crentes, fazendo a caridade aos necessitados, vítimas do destino (?) ou da exploração social. Há quem diga que sua maior felicidade seria ver uma criança pobre feliz ou um indigente satisfeito por ter, naquela manhã, ganho uma cesta de café. Mas quanto durará a sua felicidade, quanto durará o sorriso da criança, a satisfação orgânica do indigente? De quantos desgraçados precisará para se fazer feliz? 

   Talvez seja mais alentador abandonar a possibilidade de se ser feliz aqui na terra e transferi-la para a eternidade celestial. Aqui – dizem alguns religiosos – a existência é um percurso de sofrimento, de infortúnios porque não há como resolver todas as desgraças da humanidade. Além disso, o ser humano é existencialmente desamparado. Não há como evitar a falsidade, a ingratidão e o conflito com os outros. Se os outros tanto incomodam, só buscando um lugar em que todos estejam apaziguados por um ideal comum. No céu, diz-se, só há felicidade.

     A ciência nunca prometeu a felicidade para após a morte. Na verdade, esse não é o seu campo. Ao contrário, muito da promessa científica está exatamente em evitar a morte como se esta fosse a maior razão da infelicidade humana. Sim, saber da morte entristece; ver outros morrerem, especialmente os mais próximos, deixa no ar uma tristeza profunda. Às vezes a perda parece até irreparável. Entretanto, a maioria das pessoas não pensa na morte todos os dias nem se perde um parente ou amigo todos os dias, então, isso não justifica a infelicidade. O estado de tristeza advém também da dor, da insatisfação por não ter realizado alguns desejos, por não ter concretizado o planejamento feito no projeto de ano ou por não ter conseguido simplesmente concluir a agenda diária. 

   Existe hoje, mais do que nunca, uma pressão para ser o profissional do mês, o aluno brilhante, a mulher "perfeita" pessoal e profissionalmente, o homem supergenial com visão de mercado e saudáveis relações afetivas. Enfim, se quer um ser humano que, mesmo não sendo feliz, transpareça felicidade. Para isso, os anabolizantes, as pílulas de combate ao envelhecimento, de redução de estresse; as pílulas que turbinam o cérebro e o pênis, modafinil e viagra, respectivamente, acendem a ideia de que é possível ser plenamente feliz. Supondo que a adesão à farmacologia seja maciça, haveria a plenitude da felicidade? Ainda não, porque a felicidade a que tanto se almeja não é facilitada por coisas ou por ilusões de mercado.

    Aliás, a mídia vende ilusões e por meio delas penhora a felicidade. O discurso midiático, na maioria das vezes, coloca a felicidade ao alcance de quem a procura sem delongas e sem efeitos colaterais e adversos. Compre esse apartamento e seu lar será maravilhoso, use o tênis tal e seus pés voarão. Abolir esforços é o marketing fabuloso dos "espertos" para se ir da infelicidade à felicidade sem escalas ou conexões. É rápido, e mesmo para quem não tiver dinheiro existem os créditos bancários, financiamentos etc. Enfim, a felicidade está aí, à disposição. Porém, a corrida para as compras não pode parar.

   Não se pode negar que esses discursos continuarão convincentes para boa parte das pessoas. Eles convencem pela exaustão, mas falham porque a felicidade não é uma dádiva nem uma oferta de terceiros; não se pode empacotá-la como presente nem o projeto para ser feliz pode ser construído por outra pessoa ou empresa.

      A felicidade só pode ser encontrada na verdade de cada um. Daí que ser feliz tem a ver com orientar-se por valores íntimos e humanos que promovem a própria realização pessoal. A felicidade deve ser procurada aí. Ficar esperando por ela em promessas alheias ou artifícios fabricados é perda de tempo. 

     Alguns costumam dizer que a felicidade como tal não existe. O que há são momentos de felicidade. Pois bem, se a felicidade são instantes, a infelicidade também. Entre um instante e outro há o quê? Considerando que não se está em guerra, que não se está gravemente enfermo, por que não se pode dizer que se está feliz? Não dá para ser feliz restringindo esse estado aos dias em que se pensa serem os mais especiais, como o dia em que se comemora o aniversário, ou se realiza a formatura, o casamento ou nasce um filho. A vida não se constrói de instantes célebres. A vida é diária. É a labuta do cotidiano. 

    A felicidade não deve, pois, ser tomada como momentos extraordinários. Isso é a felicidade fácil dos imaturos. Viver feliz é viver na coerência dos valores humanos tanto nos relacionamentos, quanto no trabalho, em casa ou no lazer. A felicidade pode não ser um sonho ou um instante. Viver com dignidade é já razão suficiente para a felicidade.

(Profª. Drª. Elza Ferreira Santos. Infeliz é quem espera pela felicidade. In.: Sociedade no Divã, Jornal da Cidade, B-6 ARACAJU, 17 e 18 de janeiro de 2016)
Assinale a alternativa que apresenta a charge que mantém relação de inferência semântica com a conclusão do texto I.
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