Língua Portuguesa: alteridade e Ética      Por Rodrigo Frank...

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Ano: 2015 Banca: COMPERVE - UFRN Órgão: Prefeitura de Natal - RN
Q1194519 Português
Língua Portuguesa: alteridade e Ética      
Por Rodrigo Franklin Sousa     A leitura, do ponto de vista do professor, deve ser concebida como espaço de formação e constituição da identidade do sujeito. Isso quer dizer que trabalhar com o texto de língua portuguesa, e trabalhar com o reconhecimento de gêneros discursivos, é trabalhar com a linguagem em seu sentido mais amplo e pleno. Primordial é a noção de que a linguagem em uso não pode nem deve ser considerada como simples “acidente” ou apreensão localizada de um sistema abstrato, mas como lugar de interação social e construção de relações, de valores e de significados. Enfim, como lugar de construção de identidade e crescimento humanos.      Uma das formas pela qual o texto promove essa construção e esse crescimento é por meio das interações que fomenta. Engajar-se com um texto, qualquer que seja ele, é interagir de uma forma ou de outra com outros sujeitos, em contextos sociais e históricos reais. Essas interações podem ser abordadas e visualizadas por múltiplos ângulos. Um deles é o da interlocução entre um sujeito e um outro.     Trata-se de visualizar mais do que simplesmente a “intenção do autor” como um elemento passivo a ser “encontrado” pelas marcas deixadas no texto; trata-se de ficar face a face com um outro, com um ente que o leitor imagina, com o qual tenta engajar-se e ao qual tenta responder.      A relação de alteridade é o eixo fundamental da linguagem. O diálogo com o texto é um diálogo com o outro. Ainda que, no caso do texto escrito, esse outro seja uma reconstrução do leitor, essa própria reconstrução já é um exercício. Um exercício, aliás, que desenvolverá habilidades indispensáveis, já que buscar entender o outro é não apenas uma forma de forjarmos nossa própria identidade como também algo que traz consequências concretas e reais para nossas vidas.       No formidável livro A Conquista da América, Tzvetan Todorov explora o que ele chama de o discurso da diferença. Em seu estudo, Todorov demonstra como muito das tragédias que marcaram os anos iniciais do descobrimento, e cujas marcas se fazem sentir até hoje, foi fruto de leituras erradas que tanto espanhóis quanto os ameríndios fizeram uns dos outros. Assim, consideramos que desenvolver habilidades de entendimento do outro é fundamental para a formação de atores sociais responsáveis. Em alguns casos, como no estudado por Todorov, pode ser o caminho para que se evitem tragédias de proporções inimagináveis.      Entendida como um exercício de contato com o outro, a leitura pode ser vista como uma atividade que afeta nossos relacionamentos imediatos, o nosso país, ou o planeta. A leitura de mensagens pessoais ou de um memorando no trabalho requer a detecção de subtextos, ironias, sinalizações de conflitos. A boa leitura de matérias jornalísticas ou de programas e propostas de governo requer que detectemos tendências ideológicas, parcialidade nas informações e boa ou má vontade na apresentação dos fatos.      Habilidades de leitura também podem ser aplicadas aos mais diversos tipos de texto. Mesmo com suas especificidades, todos envolvem tipos semelhantes de questionamentos, de pressuposições de sentimentos e de raciocínios. Desenvolver boas habilidades de leitura é algo que impacta nossa vida em todas as suas dimensões.       Aprender a ler bem (e, consequentemente, ensinar a ler bem) vai muito além de cumprir um currículo acadêmico, ou de reproduzir um discurso vazio que não terá qualquer impacto real. Aprender e ensinar a ler são atividades éticas no sentido mais profundo do termo.      Ao trazer o termo “ética” para a reflexão sobre o ensino de língua portuguesa e para o trabalho com textos e gêneros discursivos, não quero de maneira nenhuma remeter a um discurso vazio, ou a uma série de regras que dizem respeito a como ser “bonzinhos”. Pensar sobre ética é refletir sobre como viver melhor. A reflexão ética busca soluções sobre como podemos ter uma vida com mais qualidade, uma vida mais plena e com realização humana real.      Não podemos esquecer que todas as questões éticas, embora digam respeito a nossa responsabilidade pessoal como indivíduos, afetam nós mesmos e os nossos relacionamentos. As questões éticas sempre são interpessoais. Sempre envolvem um indivíduo e um outro. Sempre envolvem um indivíduo e a sociedade que o cerca. Sendo assim, por definição, elas também sempre envolvem a interação desses indivíduos entre si e com a sociedade que os cerca. O que eu penso, falo e escrevo afeta a vida dos outros. O que os outros pensam, falam e escrevem necessariamente afeta também a minha vida.       Trabalhar a leitura é capacitar para a interação com o outro, para a vivência na sociedade.      É ensinar a viver.      SOUSA, Rodrigo Franklin. Língua Portuguesa: alteridade e Ética. Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Escala, Ed. 52, mar./abr./2015, p. 33-35. [Excerto adaptado]     No excerto: “[...] a leitura pode ser vista como uma atividade que afeta nossos relacionamentos imediatos, o nosso país, ou o planeta”, o uso da locução verbal expressa
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