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Q2068786 Direito Civil
Cada um dos itens a seguir apresenta uma situação hipotética seguida de uma assertiva a ser julgada conforme as disposições do Código Civil e da jurisprudência do STJ em relação à proteção da pessoa dos filhos em situações de multiparentalidade.
I O pai biológico de Maria faleceu quando ela tinha apenas doze anos de idade. Dois anos depois, a mãe de Maria passou a viver em união estável com João. Desde então, João tomou para si o exercício da função paterna na vida de Maria, situação plenamente aceita por ela. Por essa razão, João e Maria decidiram tornar jurídica a situação fática então existente, para ser reconhecida a paternidade socioafetiva dele mediante sua inclusão no registro civil dela, sem exclusão do pai biológico falecido. Nessa situação hipotética, reconhecida a multiparentalidade em razão da ligação afetiva entre enteada e padrasto, Maria terá direitos patrimoniais e sucessórios em relação tanto ao pai falecido quanto a João.

II Regina namorava publicamente Adão e outros rapazes quando engravidou. Dois meses depois do nascimento de Felipe, fruto dessa gravidez, Adão o registrou e passou a tratá-lo publicamente como filho. Todavia, com dúvidas acerca da paternidade, Adão fez, extrajudicialmente, um exame de DNA e constatou que Felipe não era seu filho biológico. Nessa situação hipotética, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento é suficiente para que Adão possa pleitear judicialmente a anulação do ato registral, mesmo configurada a paternidade socioafetiva.

III Daniel e Jonas convivem em união estável homoafetiva e resolveram ter um filho. Procuraram, então, uma clínica de fertilização na companhia de Marta, irmã de Jonas, para um programa de inseminação artificial. Daniel e Marta se submeteram ao ciclo de reprodução assistida, dando origem a Letícia. Marta foi somente a chamada barriga solidária. Nessa situação hipotética, o registro civil de Letícia deverá ser realizado pelo cartório, independentemente de prévia autorização judicial.

IV Quando Eva se casou com Ivo, já era mãe de Elias, fruto de um relacionamento anterior. Embora Elias seja filho biológico e registral de outro homem, perante a sociedade, o trabalho, os amigos e a escola, Ivo sempre o apresenta como seu filho, sem qualquer distinção. Nessa situação hipotética, depois do falecimento de Ivo, Elias poderá obter judicialmente o reconhecimento de Ivo como seu pai socioafetivo, incluindo-o no seu registro civil, sem a exclusão do pai biológico.

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Comentários

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ITEM I - CORRETO

Assim, aceitar a concepção de multiparentalidade é entender que não é possível haver condições distintas entre o vínculo parental biológico e o afetivo. Isso porque criar status diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos, o que viola o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da do ECA, ambos com idêntico teor: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Provimento nº 63/2017

Por fim, anota-se que a Corregedoria Nacional de Justiça alinhada ao precedente vinculante do STF (Tema 622), editou o Provimento nº 63/2017, instituindo modelos únicos de certidão de nascimento, casamento e óbito, a serem adotados pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispondo sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e da maternidade socioafetivas, sem realizar nenhuma distinção de nomenclatura quanto à origem da paternidade ou da maternidade na certidão de nascimento - se biológica ou socioafetiva.

Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.487.596-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712).

Fonte: DOD

ITEM II - INCORRETO

O exame de paternidade negativo não é suficiente, por si só, para desconstituir a paternidade socioafetiva que, para além da paternidade biológica, ficou caracterizada pelas demonstrações afetivas conferidas em vida pelo falecido ao menor, sem prejuízo do reconhecimento do pai biológico, em respeito ao instituto da multiparentalidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1.867.308/MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/05/2022)

Fonte: DOD.

ITEM III - CORRETO

Situação hipotética: Daniel e João, que convivem em união estável homoafetiva, almejaram ter um filho. Procuraram uma clínica de fertilização na companhia de Martha, irmã de João, para um programa de inseminação artificial. Daniel e Martha se submeteram ao ciclo de reprodução assistida, culminando na concepção de um embrião. Martha foi a “barriga de aluguel”. Este embrião deu origem, então, à Letícia. Martha, mãe de substituição, por meio de escritura pública, renunciou ao seu poder familiar em relação ao nascituro. Daí, Daniel e João ajuizaram a ação pedindo que ambos fossem declarados pais da criança recém-nascida. Postulam o reconhecimento do pai biológico e do pai socioafetivo, mantendo em branco os campos relativos aos dados da genitora, pois a concepção ocorreu mediante inseminação artificial heteróloga e a gestação por substituição.

O pedido foi acolhido pelo STJ.

É possível a inclusão de dupla paternidade em assento de nascimento de criança concebida mediante as técnicas de reprodução assistida heteróloga e com gestação por substituição.

A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito “ou outra origem” do art. 1.593 do Código Civil.

Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança.

Vale ressaltar que não se trata de adoção, pois não se pretende o desligamento do vínculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança (STJ. 3ª Turma. REsp 1608005-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/05/2019-Info 649)

No mesmo sentido é o Enunciado 111 da I Jornada de Direito Civil: A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.

Fonte: DOD.

ITEM IV - CORRETO

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

Ex: Lucas foi registrado e criado como filho por João; vários anos depois, Lucas descobre que seu pai biológico é Pedro; Lucas poderá buscar o reconhecimento da paternidade biológica de Pedro sem que tenha que perder a filiação socioafetiva que construiu com João; ele terá dois pais; será um caso de pluriparentalidade; o filho terá direitos decorrentes de ambos os vínculos, inclusive no campo sucessório (STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840).

Fonte: DOD.

Gabarito: LETRA D

É possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, ou seja, mesmo após a morte do suposto pai socioafetivo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/4/2016 (Info 581).

Font: DoD

Sobre o item III, é interessante conhecer o julgado do STJ - REsp: 1608005 SC 2016/0160766-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14/05/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2019, sobretudo porque, no caso, o MP alegava que se tratava de hipótese de adoção unilateral, já que a mãe de substituição, por meio de escritura pública, renunciou ao seu poder familiar em relação ao nascituro. Daí, o casal homoafetivo ajuizou a ação pedindo que ambos fossem declarados pais da criança recém-nascida. Postulam o reconhecimento do pai biológico (o que doou o material genético) e do pai socioafetivo. O STJ não acolheu a tese do MP, pois entendeu que buscou-se o reconhecimento da filiação socioafetiva do companheiro do pai biológico. Com isso, não se quis o fim de uma relação paterno-filial anterior, mas a declaração da dupla paternidade da criança pelo casal homoafetivo.

Sobre o item III:

Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação. (art. 17,§1º, do Provimento n. 63 do CNJ)

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