João, servidor público do Distrito Federal, ingressou n...

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Q2068845 Direito Administrativo
    João, servidor público do Distrito Federal, ingressou no cargo público em 1986, sem ter realizado concurso público. Em 1991, foi editado ato da administração pública que declarou sua estabilidade no cargo. Passados dez anos, a administração pública anulou o referido ato, por considerá-lo incompatível com o texto constitucional.
Nessa situação hipotética, a anulação do ato foi 
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Antes do exame das opções lançadas pela Banca, cumpre apresentar a solução jurídica adequada para o caso, à luz da legislação vigente, bem como da jurisprudência do STF acerca do tema.

De plano, é de se mencionar que o hipotético servidor, referido no enunciado da questão, não teria adquirido direito à estabilidade extraordinária (ou excepcional) de que trata o art. 19 do ADCT, uma vez que, quando da promulgação da Constituição, em 1988, não contava com ao menos 5 anos contínuos de exercício no respectivo cargo público por ele ocupado. 

A propósito, eis o teor de tal preceito constitucional: 

“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Em assim sendo, pode-se concluir que o ato que lhe concedeu estabilidade, à míngua de prévia aprovação em concurso público, revela-se inválido, visto que praticado em franco desacordo ao estabelecido no texto da Constituição. 

Prosseguindo, o STF firmou entendimento na linha de que o prazo decadencial previsto para que a Administração anule seus próprios atos, quando deles forem gerados efeitos favoráveis a terceiros, deve ser afastado em se tratando de ofensas diretas à Constituição, como é o caso, justamente, do ingresso no serviço público sem prévia aprovação em concurso público. 

Neste particular, confira-se: 

“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO. SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, § 3º, DA CRFB/88. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OFENSA DIRETA À CARTA MAGNA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional da igualdade (CRFB/88, art. 5º, caput), vedando-se a prática intolerável do Poder Público conceder privilégios a alguns, ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes: ADI 3978, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 11.12.2009; ADI 363, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 03.05.1996. 2. O litisconsórcio ulterior, sob a modalidade de assistência qualificada, após o deferimento da medida liminar, fere os princípios do Juiz Natural e da livre distribuição, insculpidos nos incisos XXXVII, LII do art. 5º da Constituição da República. Precedentes do Plenário: MS 24.569 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.082005; MS 24.414, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 21.11.2003. 3. A delegação registral ou notarial, para legitimar-se constitucionalmente, pressupõe a indispensável aprovação em concurso público de provas e títulos, por tratar-se de regra constitucional que decorre do texto fundado no impositivo art. 236, § 3º, da Constituição da República, o qual, indubitavelmente, constitui-se norma de eficácia plena, independente, portanto, da edição de qualquer lei para sua aplicação. Precedentes: RE 229.884 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 05.08.2005; ADI 417, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 05.5.1998; ADI 126, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 05.6.1992. 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência. Precedentes: MS 28.371 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 27.02.2013; MS 28.273 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 21.02.2013; MS 28.279, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 29.04.2011. 6. Consectariamente, a edição de leis de ocasião para a preservação de situações notoriamente inconstitucionais, ainda que subsistam por longo período de tempo, não ostentam o caráter de base da confiança a legitimar a incidência do princípio da proteção da confiança e, muito menos, terão o condão de restringir o poder da Administração de rever seus atos. 7. A redução da eficácia normativa do texto constitucional, ínsita na aplicação do diploma legal, e a consequente superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, permitindo, por via reflexa, o ingresso na atividade notarial e registral sem a prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, traduz-se na perpetuação de ato manifestamente inconstitucional, mercê de sinalizar a possibilidade juridicamente impensável de normas infraconstitucionais normatizarem mandamentos constitucionais autônomos, autoaplicáveis. 8. O desrespeito à imposição constitucional da necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso da carreira notarial, além de gerar os claros efeitos advindos da consequente nulidade do ato (CRFB/88, art. 37, II e §2º, c/c art. 236, §3º), fere frontalmente a Constituição da República de 1988, restando a efetivação na titularidade dos cartórios por outros meios um ato desprezível sob os ângulos constitucional e moral. 9. Ordem denegada. 
(MS 26860, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014) 

Firmadas as premissas teóricas acima, pode-se concluir que, no exemplo desta questão, a anulação do ato que declarara, indevidamente, a estabilidade do servidor, sem que este estivesse amparado na regra da estabilização excepcional versada no art. 19 do ADCT, mostrou-se providência válida e escorreita da Administração, uma vez que, considerando a violência direta ao princípio constitucional do concurso público, seria caso de afastamento do prazo decadencial de 5 anos para que o ente público invalidasse o aludido ato administrativo. 

Do exposto, pode-se eliminar, de plano, as opções A e B, uma vez que sustentaram que o proceder da Administração, no caso narrado, teria sido inválido, o que não é verdadeiro, como acima demonstrou-se. 

Quanto à letra C, equivoca-se, na medida em que aduziu que o prazo de que dispõe a Administração para anular seus próprios atos teria natureza prescricional, o que não é verdade. Cuida-se de prazo decadencial, porquanto corresponde a um direito potestativo, ou seja, aquele ao qual não há correspondência de um dever jurídico atribuído a uma outra parte. Em se tratando de direito potestativo, o prazo respectivo para seu exercício é de índole decadencial, e não prescricional. Deveras, as próprias leis que tratam do tema são expressas ao se referirem ao instituto da decadência, como é o caso da Lei 9.784/99, em seu art. 54: 

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé." 

Em relação ao item D, o equívoco repousa em sua parte final, ao rechaçar a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa, a fim de que seja anulado ato do qual decorra efeito favorável a um terceiro. Esta assertiva agride jurisprudência consolidada do STF, na linha da qual é necessário, sim, observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, sempre que a Administração pretender praticar ato administrativo capaz de atingir a esfera jurídica de terceiros. 

Por fim, a letra E vem a ser a opção correta da questão, na medida em que alinhada com todas as premissas teóricas acima fixadas. 


Gabarito do professor: E

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Caso concreto

O recurso foi interposto pelo Estado do Acre contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-AC) que, em mandado de segurança, reconheceu o direito ao reenquadramento de um servidor – originalmente contratado sem concurso, pelo regime celetista, em 1986 – em novo de Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) da Secretaria Estadual de Fazenda (Sefaz). Sua admissão, portanto, ocorreu fora do período estipulado pelo artigo 19 do ADCT, que conferiu estabilidade excepcional aos servidores em exercício há pelo menos cinco anos continuados na data da promulgação da Constituição.

Situação inconstitucional

Ao votar pelo provimento do recurso, o relator explicou que a Constituição Federal (artigo 37, inciso II) deixa claro que apenas é considerado estável o servidor que ingressar na administração pública mediante prévia aprovação em concurso público para cargo de provimento efetivo e após o cumprimento de três anos de exercício. Segundo o ministro, a jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que as situações flagrantemente inconstitucionais não podem ser consolidadas pelo decurso do tempo.

Ele observou que nem mesmo os servidores que preenchem os requisitos do artigo 19 do ADCT têm direito aos benefícios conferidos aos que ingressaram na administração pública mediante concurso. Assim, com menos razão, não se pode cogitar a continuidade de situação em que servidor contratado pelo regime celetista, sem concurso público, sem estabilidade, usufrui de benefícios legalmente previstos apenas para servidores efetivos.

Estabilidade x efetividade

O ministro ressaltou, ainda, que a jurisprudência do STF diferencia a “estabilidade excepcional” do ADCT da efetividade. Essa diferença foi reforçada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3609, quando a Corte invalidou a Emenda Constitucional 38/2005 do Acre.

Ao final de seu voto, o relator dispensou o trabalhador de devolver os valores eventualmente recebidos como acréscimos salariais, de boa-fé, até a data de conclusão do julgamento, considerando o caráter alimentar da quantia paga.

Tese

A tese de repercussão geral fixada é a seguinte: "É vedado o reenquadramento, em novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração, de servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo que beneficiado pela estabilidade excepcional do artigo 19 do ADCT, haja vista que esta regra transitória não prevê o direito à efetividade, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal e decisão proferida na ADI 3609".

O prazo decadencial para a revisão dos atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal está previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Súmula 473-STF: A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

A Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade, consoante reza a Súmula 473/STF. Todavia, quando os referidos atos implicam invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AgRg no AREsp 760.681/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 03/06/2019.

na data da cf88 João so estava no serviço ha 2 anos, nao se enquadrando no art. 19 do adct:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.

GABARITO LETRA E

Servidor admitido sem concurso antes da promulgação da CF, ainda que beneficiado pela estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT, não pode ser reenquadrado em novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração previsto para servidores efetivos. STF. Plenário. ARE 1306505/AC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/3/2022 (Repercussão Geral – Tema 1157) (Info 1048).

  • Também caiu na prova de Perito - Direito da Politec/AL, 2023: Segundo a jurisprudência do STF, quando o servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da CF for beneficiado pela regra transitória de estabilidade excepcional, é aplicável o reenquadramento em novo plano de cargos, carreiras e remuneração que venha a ser instituído (Errado) (Q2063580)

Info 741 do STF

Não existe direito adquirido à efetivação na titularidade de cartório quando a vacância do

cargo ocorre na vigência da CF/88, que exige a submissão a concurso público (art. 236, § 3o).

O prazo decadencial do art. 54 da Lei n. 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado

afronta diretamente a Constituição Federal.

O art. 236, § 3o, da CF é uma norma constitucional autoaplicável. Logo, mesmo antes da edição

da Lei n. 8.935/1994 ela já tinha plena eficácia e o concurso público era obrigatório como

condição para o ingresso na atividade notarial e de registro.

STF. Plenário. MS 26860/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/4/2014.

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