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Cientistas descobrem que a música clássica evolui por seleção natural

O trítono – um conjunto de notas dissonante que era evitado na Idade Média – se tornou um favorito dos compositores em 1900. E sua adoção seguiu padrões matemáticos similares aos da evolução de seres vivos.

26 de outubro de 2018


      A evolução por seleção natural foi descoberta por Charles Darwin como uma espécie de lei da natureza. Mas ela não se aplica só a animais ou plantas. Na verdade, ela está mais para uma constatação matemática – um fenômeno inevitável que entra em vigor sempre que certas condições são cumpridas.

      Para tirar o papo dessa abstração maluca de CDF, vamos a um exemplo prático (ainda que hipotético): imagine um grupo de empresas farmacêuticas competindo. A demanda do consumidor por remédios é limitada. Um cientista derrama um frasco numa placa de Petri sem querer e descobre um antibiótico capaz de matar superbactérias. Bingo: a empresa toma conta do mercado e as outras vão à falência. Seleção natural.

      O caso acima, porém, é uma exceção: na maior parte das vezes, a inovação em uma empresa é fruto da vontade deliberada, e não de um acidente. E uma das premissas da seleção natural é justamente que mutações no DNA são aleatórias, majoritariamente péssimas e jamais voltadas a um objetivo. Só em intervalos de tempo extremamente longos (e sempre por acidente) surgem modificações vantajosas. E é por isso que a evolução de uma espécie leva milhões de anos.

      Quando uma característica dá benefícios a seu portador e permite que ele se reproduza mais que os demais membros de sua população, ela tende a se espalhar seguindo padrões estatísticos extremamente precisos – que na época de Darwin não eram conhecidos, mas hoje são especialidade de uma área de pesquisa chamada “genética de populações”.

      O ser humano foi agraciado pela seleção natural com um troço notável – um cérebro imenso e autoconsciente – e desde então tudo que ele faz tende a ser pensado para dar certo, em vez de dar certo por acaso. Alguns fenômenos culturais, porém, continuam sujeitos à evolução darwinista, simplesmente porque são abordados por nós de maneira inconsciente, intuitiva. É o caso da música.

      Para saber se o estilo e o gosto musical se desenvolvem à moda darwinista, Eita Nakamura, da Universidade de Kyoto, e Kunihiko Kaneko, da Universidade de Tóquio, analisaram 9996 peças de 76 compositores da tradição europeia entre 1500 e 1900. Ou, em resumo, o que se chama de “música clássica”. Eles estavam em busca de ideias e recursos musicais que – simplesmente por serem muito legais – se espalhassem pelas composições ao longo do tempo – como uma bactéria resistente a antibióticos se espalha no organismo de alguém com tuberculose.

      A seleção natural, é claro, precisa selecionar alguma coisa. Na biologia, há diversas unidades de seleção bem estabelecidas. Isso, inclusive, é motivo de debate: alguns dizem que é o gene para a característica vantajosa que é escolhido pela natureza. Outros adotam o indivíduo beneficiado como um todo. Não importa: o ponto é que todo pesquisador admite que a seleção natural atua sobre uma entidade bem definida, seja lá qual for ela. Na música, isso é mais difícil de fazer. Qual será a unidade fundamental? A nota? O acorde? Nakamura e Kaneko não chegaram a uma resposta definitiva, mas encontraram um item do repertório musical que era um bom candidato a sofrer de darwinismo crônico: o trítono.

      Um trítono é um intervalo musical – isto é, duas notas tocadas ao mesmo tempo – que soa especialmente dissonante em relação aos outros. Há um post inteiro neste blog explicando do ponto de vista matemático porque ele soa tão sinistro. Até hoje rola por aí a lenda de que o trítono foi proibido pela Igreja Católica na Idade Média por sua natureza demoníaca – mas isso é mito (outra coisa que você pode entender no post já mencionado).

      É óbvio que uma composição nova, para dar certo, não pode ser só ruptura: ela também precisa incluir elementos da tradição musical pré-existente, com que os ouvidos já estão familiarizados. Em outras palavras, precisa conter elementos musicais manjados e de eficiência garantida (como um elefante na savana) – acompanhados de toques de novidade (como um elefante com uma tromba mais flexível).

      O trítono é justamente o toque de novidade: era quase inexistente na harmonia suave dos corais medievais, mas é onipresente no jazz e na música modernista de Schoenberg, 500 anos depois. Em resumo, um toque de dissonância que foi absorvido aos poucos. Calculando a maneira como o trítono se espalhou por aí da época de Cabral até a de Coltrane, os japoneses descobriram que sua disseminação seguiu um padrão matemático chamado distribuição beta. O mesmo verificado na evolução de seres vivos.

      É claro que isso não é o mesmo que dizer que a música é regida pela aleatoriedade, e não pelo talento de certos gênios. A questão é: o novo sempre vem. E você acaba adotando ele sem perceber. Nas palavras dos pesquisadores: “Nós concluímos que algumas tendências na música podem ser formuladas como leis estatísticas evolutivas em vez das circunstâncias dos compositores individuais”.

VAIANO, Bruno. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/cientistas-descobrem-que-a-musica-classica-evolui-por-selecao-natural/. Acesso em: 30 out. 2018. Adaptado.

O trítono – um conjunto de notas dissonante que era evitado na Idade Média – se tornou um favorito dos compositores em 1900.


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