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Q727717 Português

                                             Sons que confortam

   Eram quatro horas da manhã quando seu pai sofreu um colapso cardíaco. Só estavam os três em casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de 12 anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E aguardaram. E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É ele quem conta, hoje, adulto: “Nunca na vida ouvira um som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio”.

   Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na mesma hora em que li esse relato imaginei um sem-número de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que possuem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.

  E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros, mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.

 Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sons cotidianos: a voz no alto-falante do aeroporto dizendo que a aeronave já se encontra em solo, e o embarque será feito dentro de poucos minutos.

  O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão apagadas e o espetáculo irá começar.

 O telefone tocando exatamente no horário que se espera, conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansiedade para se falar com alguém distante.

 O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando você está no quentinho da sua cama.

 Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua, provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou, fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.

 O toque do interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.

 O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.

 A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de trabalho.

 O sinal da hora do recreio.

 A música de que você mais gosta tocando no rádio do carro. Aumente o volume.

 O aplauso depois que você, nervoso, falou em público para dezenas de desconhecidos.

 O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.

 E, em tempo de irritantes vuvuzelas, o som mais raro de todos: o silêncio absoluto.

                                (Martha Medeiros. Revista O Globo – 27 de junho de 2010)

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