Em: Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e fort...
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Ano: 2022
Banca:
Avança SP
Órgão:
Câmara Municipal de Taboão da Serra - SP
Prova:
Avança SP - 2022 - Câmara Municipal de Taboão da Serra - SP - Oficial Legislativo |
Q1938131
Português
Texto associado
Laços de Família
Um pouco cansada, com as compras
deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no
bonde. Depositou o volume no colo e o bonde
começou a andar. Recostou-se então no banco
procurando conforto, num suspiro de meia
satisfação.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa
verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam
banho, exigiam para si, malcriados, instantes
cada vez mais completos. A cozinha era enfim
espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O
calor era forte no apartamento que estavam aos
poucos pagando. Mas o vento batendo nas
cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe
que se quisesse podia parar e enxugar a testa,
olhando o calmo horizonte. Como um
lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na
mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam
árvores. Crescia sua rápida conversa com o
cobrador de luz, crescia a água enchendo o
tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa
com comidas, o marido chegando com os
jornais e sorrindo de fome, o canto importuno
das empregadas do edifício. Ana dava a tudo,
tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua
corrente de vida.
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa
hora da tarde as árvores que plantara riam dela.
Quando nada mais precisava de sua força,
inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida
do que nunca, seu corpo engrossara um pouco
e era de se ver o modo como cortava blusas
para os meninos, a grande tesoura dando
estalidos na fazenda. Todo o seu desejo
vagamente artístico encaminhara-se há muito
no sentido de tornar os dias realizados e belos;
com o tempo, seu gosto pelo decorativo se
desenvolvera e suplantara a íntima desordem.
Parecia ter descoberto que tudo era passível de
aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria
uma aparência harmoniosa; a vida podia ser
feita pela mão do homem.
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio
de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19. Fragmento.
Em: Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão
pequena e forte (...), o uso das vírgulas: