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Ano: 2023
Banca:
FUMARC
Órgão:
AL-MG
Provas:
FUMARC - 2023 - AL-MG - Analista Legislativo - Jornalista I - Assessoria e Imprensa e Produção Multimídia
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FUMARC - 2023 - AL-MG - Analista Legislativo - Jornalista II - Radio e Televisão |
Q2074668
Português
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TEXTO 1
(-------------)
Milly Lacombe
Minhas duas primeiras memórias de infância envolvem meu pai.
Na primeira delas, estou em seus ombros, no meio de uma multidão que
cantava, pulava e festejava. Enrolados em uma bandeira do Brasil que minha mãe
havia feito na máquina de costura, que ficava no mesmo quarto da TV em branco
e preto. Eu tinha três anos, ele tinha 43. A seleção tinha acabado de ser tricampeã
mundial de futebol e meu pai e eu celebrávamos no meio de outras centenas de
pessoas na rua General Glicério, em Laranjeiras, no Rio.
Na segunda memória, estou subindo com ele a rampa do Maracanã. Eu
tinha um pouco mais que três anos, mas não muito mais. Lembro-me da mão dele
segurando a minha, lembro-me de olhar para cima e vê-lo ali sorrindo para mim.
Lembro-me das pessoas passando em volta, apressadas e felizes. Lembro-me das
camisas e bandeiras misturadas: vermelho e preto em alguns; verde, branco e
grená em outros. Ele e eu fazíamos parte desse segundo grupo de pessoas. Na
minha outra mão, uma almofadinha com as cores do Fluminense, feita por minha mãe na máquina de costura que ficava no mesmo quarto da TV branco e preta. A
almofadinha era uma solução à dureza do concreto da arquibancada.
Subindo a rampa, lembro-me de ver, lá bem longe e já no topo, uma abertura para o céu. Era para lá que caminhávamos, meu pai e eu, de mãos dadas. O
que haveria ali além do céu? Depois de uma subida, bastante longa para um pequeno corpo que ainda não tinha feito cinco anos, lembro-me de conhecer o que,
anos depois, entenderia ser o êxtase que vem com a experiência do sagrado. Ao
final da rampa, uma abertura para um campo verde, de marcas brancas e milhares
de pessoas cantando ao redor.
Capturada pela imensidão do momento, outra vez olhei para cima e vi meu
pai. Ele sorria e não se movia, como quem sabe que seria importante me deixar
ali um pouco, apenas sentindo a grandeza do momento, apenas absorvendo uma
experiência inaugural de amor e paixão. Depois de um tempo, ele me pegou no
colo e subimos os degraus da arquibancada, sendo abençoados por um tanto de
pó de arroz a cada passo.
Não me lembro de mais nada.
Não me lembro do placar, não me lembro
do que aconteceu em campo, não me lembro do que comemos, nem dos sorvetes
que não pedi. Lembro-me apenas das sensações e das emoções daquele dia.
Mas, mais que qualquer coisa, lembro-me da mão de meu pai na minha. Se fechar
os olhos, posso sentir a temperatura e a textura de sua mão na minha. Se fechar
os olhos, sinto outra vez a exata pressão que a mão dele fazia na minha, todas as
vezes que andávamos assim pelas ruas, e sinto a segurança que aquelas mãos
me davam.
Meu pai não está mais aqui, mas a sensação de sua mão na minha está.
Pouca coisa, aliás, se manteve presente além dessa sensação. Talvez apenas a
emoção de subir uma rampa cujo final é um campo de futebol onde dois times se
enfrentarão. O caminho do sagrado, do final de um período escuro, frio e penoso
que se abre para uma imensidão de luzes, sonhos e possibilidades.
Anos depois, eu conduziria meu sobrinho pela mesma rampa, mas agora
interpretando o papel feito por meu pai.
O que é a vida se não esse contínuo trocar de lugares e essa perpétua
caminhada que pode nos levar a encontros grandiosos? Não muita coisa, eu acho.
Um passo atrás do outro, uma batalha atrás da outra. Conquistas, fracassos. Vitórias, derrotas. Dias bons, dias ruins. Partidas, chegadas. E lá vamos nós outra vez.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nosso-estranhoamor/2022/11/[...].shtml (Adaptado) Acesso em: 30 dez. 2022.
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